segunda-feira, 6 de junho de 2016

O Retorno de Inanna - 2ª Parte - VII e VIII

V. S. Ferguson

O Retorno de Inanna 
2ª Parte
Capitulos VII e VIII

VII.- UM POUCO DE INTERAÇÃO

Inanna observou como Enki e seu dragão se desvaneciam, de retorno para sua própria realidade. Ela amava Enki e realmente nunca o culpou do que tinha acontecido, mas de vez em quando sim, pensava que se ele tivesse sido capaz de enfrentar a seu filho Marduk, ela ainda poderia ser a rainha da Suméria. Não obstante, a verdade era que toda a família tinha posto seu grão de areia na criação de Marduk. E, depois de tudo, Marduk era tanto parte do Primeiro Criador como o eram eles. Todos eram parte de uma grande comédia cósmica, o equilíbrio entre as chamadas forças da luz e a escuridão. Agora dependia dela e do resto da família fazer os ajustes necessários na balança de poder.
Olnwynn estava começando a compreender o que acontecia. Deu-se conta de que esta mulher tinha baixado das estrelas à Terra e de algum modo mágico tinha projetado uma parte de si mesmo dentro de muitos corpos diferentes para poder criá-lo a ele e a quantos outros mais, ele não sabia. Compreendeu que seu grupo composto tinha a missão de resgatar aos habitantes da Terra de um tirano cujo nome era Marduk. Obviamente, faltavam muitas peças neste quebra-cabeças.
"Há outros como eu lá?", perguntou Olnwynn. "Sim", respondeu Inanna. Rapidamente esquadrinhou alguns de seu atuais Eu e os bancos de dados.

"Acredito que estou começando a compreender", disse Olnwynn em voz baixa. "Quando eu era um menino você foi a que me falava. Mais tarde, foi você quem me inspirou na poesia e todas essas visões que tive procediam de ti. Se só te tivesse escutado, teria podido recordar".

Inanna lhe respondeu amavelmente: "Eu não fiz tudo; você sempre foi muito intrépido. Veio de uma magnífica linhagem com um potencial ilimitado, do qual você usou grande parte. Foi minha idéia te deixar como um órfão com o fim de que me buscasse. Esqueci-me de quão capitalista era o álcool para bloquear qualquer comunicação psíquica. Você viveu em um ambiente de temor e guerras intermináveis planejadas por meu primo, o tirano Marduk. Não culpe a ti mesmo; mas bem pensa no que aprendeste".

Ele, Inanna e Melinar voltaram sua atenção para a Graciela: Olnwynn nunca tinha visto uma mulher que tivesse o valor para viver sozinha em um bosque. Ele admirava muito a seus lobos.

"Cães, Olnwynn, são formosos cães", corrigiu-lhe Melinar. "Pode ajudar a Graciela, pode-a inspirar com sua coragem. Vêem, nos aproximemos dela".

Graciela não tinha esquecido a experiência que teve bosque e se comprometeu a meditar entre as três e quatro de cada manhã. decidiu-se a realizar o que ela chamou "o deserto", que para ela significava nada de chamadas telefônicas, nada de televisão, nada de periódicos. Permitiu-se escutar certa classe de música e ler uns quantos livros inspiradores como O Mahabbarata, o Tao Teh Ching do Lao Tzu, ou O Livro Tibetano dos Mortos.

Tinha lido sobre o tanque de flutuação desenhado pelo John Lilly, o cientista que falava com os golfinhos. Decidiu inventar seu próprio tanque, encheu sua banheira quase até a beira e colocou velas aos lados. À luz das velas se deitou na água arqueando suas costas e deixando só o nariz por cima do nível da água. Assim flutuaria durante horas até que a água se esfriasse tanto que a distrairia. Logo passaria a outro quarto a meditar. Tinha um teclado eletrônico barato, o qual tinha um botão que ao pressioná-lo tocaria uma nota até que se esgotassem as baterias. Então enfocava sua consciência enquanto escutava esse tom musical contínuo.

Os três primeiros dias do "deserto" eram os mais difíceis. Fizesse algo por fazer uma chamada ou ver o programa mais estúpido na televisão nesses três primeiros dias. Mas se se mantinha firme em sua decisão, as recompensas seriam boas. Depois de três dias tudo o que a rodeava emanava beleza e seus guias lhe aproximavam mais. Era algo maravilhoso; estes momentos de beleza constituíam as horas mais felizes de sua vida. Anteriormente tinha percorrido "o deserto" para encontrar a paz. Assim ela sentia que estava em um monastério no alto do Himalaia no Tibet.

Uma vez esteve com uma equipe de filmagem na Inglaterra. Estavam gravando um documentário sobre a música tibetana. Sentiu-se muito impressionada em presença daqueles monges; os sons de seus sinos e chifres a transportavam até sua luz dourada. Mas quando tudo terminou, sem sabê-lo, aproximou-se muito ao altar sagrado. Ignorava que, segundo a crença deles, se tinha estado menstruando, seu toque mancharia o altar sagrado. Disseram-lhe que lhes teria tomado seis meses para purificá-lo. Os monges não lhe permitiram que se aproximasse mais, o que feriu seus sentimentos e a confundiu. Esse dia perdeu todo seu interesse no Tibet e se deu conta de que lá não encontraria o que estava procurando. Instintivamente ela sabia que o mesmo sangue que produzia a vida não podia ser impura.

Sentada frente a sua mesa de meditação, Graciela passou a outra realidade. Anteriormente tinha recordado suas vidas passadas. Foi como se de repente pudesse ver através dos olhos de outro ser e, enquanto olhava fixamente as pedras duras do que parecia ser a cela de uma prisão, arrojaram-lhe uma túnica azul sobre "seu" corpo. Mas não era seu corpo; era um homem de cabelo comprido cinza que levava uma camisa branca suja e calças negras. O homem parecia estar emocionado.

Atilar jazia imóvel sobre um piso frio de pedra. Por que o tinha feito? Ele, que tinha controlado todos os impulsos de sua vida, via-se a si mesmo totalmente perplexo ante sua impotência total. Agora todo se foi, tudo estava perdido e não podia recuperar-se. A morte seria motivo de alegria.

Pensou no primeiro momento em que a tinha visto. O Professor Qi o tinha chamado à área de acesso para que conhecesse a nova garota que lhes tinham levado as sacerdotisas da Lua. Era algo rotineiro, acontecia todos os dias, até que ele a viu. O que tinha ela? Era como se Atilar a tivesse conhecido durante toda a eternidade. Sua presença tocou uma parte adormecido de seu ser e lhe fez sentir algo que nunca havia sentido antes. Não era simplesmente porque fora bela; todas as garotas escolhidas pela Ordem da Lua eram esquisitamente belas. Mas esta era de algum modo diferente. Sua pele era da cor de nata fresca e seus olhos eram azul escuro como o mar. Seu cabelo de cobre caía por seu corpo e tocava o piso. Não obstante, foi sua pureza o que lhe atravessou uma flecha em sua alma. O estar perto lhe produzia a mais doce dor.

A tragédia começou quando o Professor Qi, de uma maneira rotineira, pôs a moça sob o cuidado de Atilar. Por que não notou o Professor Qi a mudança em seu estudante preferido? Ou realmente o notou?

Naturalmente a moça admirava Atilar; ele era conhecido por toda a Atlântida como o herdeiro do Professor Qi e o mais avançado na disciplina de modular os cristais por meio do pensamento. Todas as noviças jovens adoravam Atilar de longe. Ele não prestava muita atenção a essas coisas. Isso não lhe interessava, até agora.

Solitário em seu quarto, Atilar começou a abrigar pensamentos que nunca antes tinha tido. Sabia que se aplicava a magia que tinha aprendido durante todos os anos, facilmente poderia seduzir à garota. Também sabia que a magia faria que o encontro fosse de proporções cósmicas. Seria algo assim como se ele e a garota fossem as energias em bruto do universo que se convertem em uma. Somente um homem dos talentos e experiência de Atilar poderia gerar esta forma de fazer o amor. E ele a amava desesperada e totalmente com todo seu ser. antes de conhecê-la tinha vivido pela metade; agora sabia. Inclusive sua tortura era um êxtase para ele. O tempo passou.

Cada dia Atilar inventava mais desculpa para poder estar com a garota. Ela estava em todos seus pensamentos. Era muito normal que uma sacerdotisa da Ordem da Lua acompanhasse a alguém como Atilar ao Grande Salão dos cristais. Normalmente, a garota simplesmente se sentava em silêncio e gerava a polaridade da energia feminina que se requeria, mas um dia Atilar fez uma sugestão.

Disse-lhe à garota que se sentasse frente a ele e olhasse profundamente em seus olhos. Explicou-lhe que estava experimentando novos métodos para modular a freqüência dos cristais. A garota lhe obedeceu e colocou seu formoso corpo branco frente a ele. Ela o adorava e faria tudo que lhe pedisse.
Atilar olhou para os profundos olhos azuis de sua amada. Durante horas estiveram unidos nesta forma e os dois puros trocaram sua energia. À medida que as freqüências de seus corpos se aceleravam, eles eram transportados a uma nova realidade. Atilar e a garota se tornaram um. O piso, o quarto, inclusive a Atlântida inteira desapareceu. A única coisa que existia era sua unidade que emanava poder e se convertia em uma luz pura. O tempo e o espaço se desvaneceram.

Se Atilar se conformasse permanecendo nesse estado nada teria acontecido. Mas o homem que havia dentro dele, o humano, desejava a consumação. Concentrou-se sobre seu cabelo de cobre e sua elegante garganta cremosa e a despojou de sua túnica. Seus peitos eram pequenos e perfeitos; acariciou-os. Brandamente a deitou e de uma maneira carinhosa penetrou sua doçura sagrada. Seu coração pulsava à medida que o sangue corria por seu corpo até que sua paixão se derramou dentro dela. Nunca antes tinha conhecido tal felicidade, tal gozo. Os cristais do salão começaram a ressonar com seu amor, começaram a cantar e emitiam harmonias doces como resposta a esta poderosa força.

As portas se abriram de par em par quando o Professor Qi e os guardiães entraram bruscamente no ninho dos amantes. O feitiço se rompeu de uma maneira cruel e levaram Atilar a uma cela. Em meio de um choque mental ele jazia sobre as pedras duras, incapaz de mover-se durante muitos dias.

Atilar refletiu sobre sua vida enquanto olhava a água estancada que se detinha nas gretas do piso de pedra. Nunca lhe tinham dado opções. Desde que nasceu lhe disseram qual era seu destino. Nunca teve oportunidade de jogar quando era menino, pois o treinaram inflexivelmente. Nunca tinha amado, nunca tinha jogado. Converteu-se em um professor, mas retrospectivamente se deu conta da futilidade de tudo. Sempre houve algo que faltava e, até que viu sua amada, não tinha conhecido o nome do espaço vazio que havia dentro dele, o qual nunca puderam encher a disciplina interminável e o ritual repetitivo. Nunca teve tempo ou lugar para sentir, para amar, para ser espontâneo e agora lhe parecia óbvio que tais ideais adquirem forma indevida, se convertem em armadilhas, agora estava na cela de uma prisão. Fielmente tinha completo os compromissos da Ordem das Túnicas Azuis, mas nunca lhe deram a oportunidade de criar algo por si mesmo. Em essência, tinha sido um escravo.

O Professor Qi entrou em sua cela. Os dois homens se olharam e os olhos do Professor Qi se encheram de lágrimas.

"Meu filho, falhaste em sua última prova. Profanaste a uma virgem da Deusa da Lua e agora tem que morrer".

Ele sabia que Qi dizia somente a verdade. Em algum lugar dentro de sua alma Atilar entendia que uma vida sem sentimento, sem amor, era uma vida vivida pela metade, de modo que aceitou seu destino. Estava preparado para morrer.

Como o Professor Qi tinha pedido indulgência, Atilar perderia somente sua vida e lhe perdoariam o horror máximo. O raio laser que sairia do cristal central só destruiria seu corpo físico, mas sua alma permaneceria intacta. Atilar assentiu; tinha que ser executado. Muitas vezes antes tinha saído de seu corpo, mas desta vez não retornaria.

Chegaram os guardas à cela e o escoltaram para a câmara da morte, onde o encadearam a uma parede frente ao enorme cristal. Todos saíram do quarto, acendeu-se o raio e em segundos o corpo do Atilar se converteu em cinzas.

Enquanto Atilar flutuava livre por cima de sua carne, seu amor pela jovem sacerdotisa o levou até seus aposentos. Seus formosos olhos azuis estavam vermelhos e inchados de chorar e Atilar se deu conta de que a moça estava grávida. Desesperadamente queria abraçá-la uma vez mais e cuidá-la. Tudo era tão triste. Meu amor inocente, pensou, o que será de ti? A dor que sentiu em seu coração por deixá-la era mais do que qualquer homem pudesse agüentar. Como poderia encontrá-la de novo?

Graciela estava muito cansada. Estava chorando por Atilar e a garota, e esse aparelho de laser a assustou muito. Por que não pôde ter sido simplesmente bela, rica e poderosa como as outras pessoas que recordavam suas vidas passadas? Certamente não tinha sido fácil no plano físico.


VIII.- CHANDHROMA


Inanna e Melinar entraram na consciência de Graciela. Olnwynn os seguiu. Do ponto de vista de Graciela, eles apareciam como um campo de força dourado e sutil que continha três figuras altas que estavam de pé em sua sala, junto à chaminé. Graciela tinha estado absorvendo as lições dos dados da vida de Atilar.

Ela suspirou: "Como é possível que haja tanto sofrimento? Como pode o Primeiro Criador observar este drama interminável de vida e morte, de beleza e dor? O que é o Primeiro Criador?"

Melinar lhe respondeu: "O Primeiro Criador É".

Oh, não! que resposta, pensou Graciela. "Escute, senhor, quando o coração de um está partido, o conceito de É não é muito consolador".

Inanna pensou em algumas de suas experiências na Terra, inclusive como um ser extraterrestre de outra freqüência de tempo ela tinha sentido que lhe tinham quebrado o coração mais de uma vez. Desejou pensar em algo que pudesse dar a Graciela a resposta que necessitava. Ela olhou Melinar lhe implorando que dissesse algo.

"Minha filha, esta é a tarefa a que te enfrenta", disse ele. "Deve saltar das 10.000 Coisas, através do abismo de sua dúvida, até o lugar do magnífico É. Lá encontrará a verdade que procura ao sentir o que o Primeiro Criador sente. Lá saberá".

Isso aparenta muito pavoroso, pensou Graciela. imaginou que as 10.000 Coisas deveriam ser todos esses pensamentos e coisas corriqueiras que distraem a todos os humanos cada minuto do dia, e nenhum dos quais parece importar quando um se aproxima da morte, a experiências de perda trágica, ou quando chega um momento crucial. Mas a idéia de um abismo a encheu de temor. Pensou nesse filme com o Harrison Ford, quando estendeu seu pé sobre um desfiladeiro aparentemente sem fundo para dar um salto de fé. Ali havia uma ponte invisível para ele e ele o atravessou. Seria assim fácil para ela? Graciela tinha pavor às alturas. Só o fato de estar parada em um balcão lhe produzia vertigem; sentia um formigamento nos pés e se sentia apavorada à borda.

Olnwynn viu uma oportunidade e se apresentou. Com a ajuda de Inanna, ofereceu seu amparo e coragem a Graciela. Inanna mostrou a Graciela os dados do Olnwynn enquanto que simultaneamente lhe mostrava os dela a ele.

Inanna escolheu um momento na infância da Graciela para mostrar-lhe ao Olnwynn. Ela tinha escassos três anos e estava sentada na mesa com sua família. Seu pai entregou um pedaço de frango frito mas ela não o queria. Graciela levantou a coxa do frango e com força o atirou contra a parede.

Olnwynn riu e viu sua própria teimosia na Graciela. Logo reconheceu quem eram os membros da família da Graciela. "Por Deus! São eles, todos eles!" Surpreendeu-se de ver que a mãe da Graciela era sua bela esposa, o pai era o irmão do Olnwynn e o irmão da Graciela não era outro que seu filho. Ainda estavam juntos em outro tempo. Por que tinha nascido Graciela em uma família com estes três quem obviamente ainda tinham más lembranças e sentimentos para ele? Ou era que sentiam temor e ressentimento para a Graciela? Não era de sentir saudades então que Graciela não fora feliz.

Inanna respondeu os pensamentos do Olnwynn e lhe explicou que essa era uma maneira extremamente útil de aprender e de evoluir. E, além disso, esses três queriam estar juntos. Compartilhavam um laço. Como Olnwynn, você os tratou mau e os controlou. Agora como Graciela a experiência é muito diferente, de certo modo, investiu-se.

Graciela, que não podia deixar de escutar, pensava: se Inanna queria experimentar estas coisas, por que simplesmente não se meteu em um corpo ela mesma e viveu, em vez de fazer que Graciela e Olnwynn o fizessem?

"Fiz-o, Graciela. Eu sou você. Eu fui tudo o que você foste, e tenho sentido tudo o que você tem sentido". Inanna tinha a esperança de fazê-la compreender, mas não parecia tão fácil posto que Graciela estava em um corpo físico de carne vulnerável e com sistema nervoso parcial.

"É esse sistema nervoso parcial o que eu quero corrigir", adicionou Inanna. "Se todos os meus Eus multidimensionais reúnem suficientes dados para precaver-se dos modelos repetitivos das experiências de suas vidas, possivelmente um, possivelmente você, Graciela, crescerá além de suas limitações e porá em ação os códigos genéticos divinos que estão latentes dentro de ti. É possível. Seria como se você lhe adicionasse maior capacidade a seu computador. Tem a tecnologia; só te falta a vontade para fazê-lo. Há tantas distrações, como as 10.000 Coisas e o halo de freqüências eletromagnéticas que colocaram ao redor de seu planeta aqueles que desejam que permaneça como uma pulseira".

Graciela estava começando a compreender o que Inanna dizia. Se ela, Graciela, (que era aparentemente Inanna) pudesse de algum modo fundir-se com o Olnwynn e Atilar, assim como com todos os outros que em realidade eram Graciela, então haveria a possibilidade de que tanto conhecimento e dados combinados pudessem ativar os gens adormecidos. Transladaria-se a mudança de um humano para outros?

"Sim!", respondeu Inanna e suspirou com uma sensação de satisfação de que pelo menos tinha chegado a um de seu Eu multidimensional. Nesse momento Olnwynn se animou e começou a rir.

"Isto poderia ser muito divertido!", disse ele. Prometeu ajudar a Graciela para que encontrasse a coragem suficiente e se sentou ao lado dos cães com o desejo de poder acariciá-los. Graciela se deu conta de que os dois cães permaneceram calmos ante a presença de seus novos amigos. Bom, certamente já não estava sozinha.

"Há alguém mais?", perguntou a Inanna e Melinar.

Chandhroma nunca tinha sido tão formosa como sua mãe, mas era bonita e elegante. Teve sorte de que não a asfixiassem no momento do nascimento como se acostumava fazê-lo com os bebês fêmeas que nasciam nessa época. Sua mãe não teve a coragem de matá-la, embora não havia razão para conservá-la.

Era o século XVI d.C., no norte da Índia. A mãe da Chandhroma era uma prostituta, embora era uma cortesã da classe alta. Apaixonou-se por um poderoso conselheiro do Sultão de Cachemira. Somente lhe era útil a este homem como concubina, não como a mãe de seus filhos. Naturalmente, se o bebê tivesse sido varão, lhe teria encontrado algum lugar na corte. Mas a filha de uma prostituta não servia a ninguém. De modo que aos três anos, Chandhroma foi entregue à escola de dança onde foi criada para ser uma bailarina da corte e onde recebeu um treinamento rigoroso. Felizmente ela se sobressaiu nesta arte porque amava a dança com paixão.

Chandhroma estava sentada só no Templo da Dança.

Freqüentemente vinha ali a dançar para "a dama" que às vezes lhe aparecia. Rodeavam-na colunas de pedra com talhas fantásticas do Kali e Lakshmi, os Gandharvas, os apsarases e os dakini dançantes. Frente a ela só uma vela iluminava as sombras do grande salão e uma lua cheia banhava com sua fria luz os pisos de mármore brilhantes. Chandhroma se sentou em quietude total. Tinha 14 anos e tinha sido treinada nas artes da dança durante onze anos. Sentia saudades de sua mãe, mas "a dama" que vinha enchia o vazio de seu coração e lhe parecia que era uma deusa. Como Krishna, a dama tinha uma formosa pele azul turquesa. Levava muitos colares de lápis lázuli e braceletes de ouro. Chandhroma pensava que sua dama azul era ainda mais formosa que sua própria mãe.

Ela ficou de pé e começou a dançar, com graça dava voltas enquanto que os pequenos sinos de prata que tinha nos tornozelos emitiam suaves tons através das colunas do salão. Em sua mente, Chandhroma chegou a ser uma com a deusa. Imagens da dama azul, do Lakshmi e de Tara encheram sua consciência. Chamou para si aos dakines dançantes e se converteu em uma com a luz da lua. Suas mãos eram expressões graciosas de esperança humana e seu corpo cantava com a beleza da noite. Dançar sozinha para sua deusa era seu maior gozo.

Quando sentiu a presença da dama azul, deixou de dançar e ficou quieta. Sua respiração era curta e movia seus peitos quase imperceptivelmente. Gritou: "Dama, queria falar contigo esta noite. Logo me levarão a palácio do Sultão para dançar. Estará comigo para me guiar na dança?"

Inanna lhe respondeu: "Sim, minha amada moça, estou contigo a onde quer que você vá. Sou parte de ti. Meu amor por ti é eterno e nunca está sozinha porque aqui estou te protegendo. Amo o que você é".

Chandhroma sentiu a presença de um intruso. "Quem está lá?", gritou ela.

"Só um admirador, minha menina", respondeu o forasteiro. "Eu sou Vasudeva, o arquiteto dos palácios do Sultão. Seu professor de dança me falou de suas apresentações noturnas e vim em segredo para contemplar sua beleza. Sou um ancião, e não tenho intenções de te fazer dano. Quero ser seu amigo".

Chandhroma procurou a aprovação de sua dama azul, que sorriu e assentiu. Então este é meu destino, pensou ela.

Vasuveda continuou: "Entendo que está sedenta de conhecimento, e que passas seus momentos livres desenhando os pavilhões e as esculturas do templo. Desejo te ensinar estas coisas. Uma vez tive uma filha tão formosa como você que estava no apogeu de sua beleza, mas uma enfermidade misteriosa me arrebatou isso. Era minha única luz neste mundo e você me recorda isso. Me permita que seja seu mentor quando te mudar para o palácio e te ensinarei a ler e escrever, assim como matemática, linguagem e arquitetura".

Era algo inaudito. A nenhuma mulher lhe permitia aprender estas coisas. Ela sempre tinha querido conhecimento e em segredo tinha tentado aprender a escrever em sânscrito, mas às mulheres não lhes animava a que fizessem essas coisas. Ela não era mais que uma bailarina do templo. Sua posição não era melhor que a de uma prostituta, como sua mãe.

"E o que terei que fazer em troca?", perguntou.

"Trabalhar muito duro. Deve te dedicar a estas novas artes e continuar com sua dança. De outro modo não lhe permitiriam permanecer no palácio. Está ao serviço do Sultão, mas ele é meu amigo e está muito satisfeito com esta minha extravagância. É bem sabido que você é dotada, que os deuses lhe sorriem e que se interessam muito por ti. É minha intenção fazer o mesmo. Será como uma filha para mim".

"Aceito". Foi tudo o que pôde dizer com o coração na garganta. Muito certamente a dama azul lhe deveu ter proporcionado esta oportunidade. Certamente, deve ser um presente dos deuses.

Inanna estava feliz com o progresso da Chandhroma. A garota tinha uma mente estupenda, aprendia muito rapidamente e se converteu no maior orgulho da Vasudeva. À medida que sua fama como dançarina crescia, ajudava a Vasudeva em seus projetos de arquitetura. Até lhe encarregou o desenho de um jardim pequeno. Cachemira era mundialmente conhecida por seus jardins. Era uma época maravilhosa para a Chandhroma. Vasudeva a queria muito e, embora muitos a admiravam e a cortejavam, só lhe interessavam a dança e o conhecimento. Ela pensava que certamente devia haver outras mulheres que desejavam ter essas oportunidades.

Um dia ela estava sozinha desenhando no jardim. Um homem jovem de aparência agradável apareceu ante ela e se apresentou. Era o filho e herdeiro do Sultão. Ela naturalmente o tinha visto na corte quando dançava mas nunca se imaginou que o conheceria e certamente não estando sozinha. O Sultão lhe tinha posto a seu filho o nome de Arjuna como o famoso arqueiro das escrituras antigas.
"Chandhroma, estou desesperadamente apaixonado por ti", disse Arjuna. "Vi-te dançar e Vasudeva me contou histórias sobre seu garbo e inteligência. Houve alguma vez uma mulher tão dotada e tão formosa como você no reino de meu pai?"

Por um momento seus olhos se encontraram em silêncio. A moça não tinha pensado muito no romance, não tinha tempo para isso e não queria terminar prostituta como sua mãe. Mas este jovem a fazia sentir coisas que lhe eram totalmente desconhecidas.

Então Arjuna começou a lhe falar meigamente e de uma maneira espontânea lhe expressou seu amor e desejo por ela:

"Chandhroma, estive esperando este momento. Vem até mim, amada, deixa que meus braços lhe abracem. Sua pele radiante esconde os fogos ardentes debaixo dela. Cada célula de meu corpo ressona com seu ser. Desejo estar perto de ti, amada. Seus olhos me aproximam mais do meu Lar. Sigo sua profunda escuridão como um menino inocente que só conhece um chamado. Atraído para ti como a lua atrai as correntes, as chamas estendem-se por meu corpo.

O desejo me aflige nestas tardes quentes. Imagino cada aspecto de seu ser. Separados em corpo, unidos em alma e espírito, sempre está comigo. Sinto o batimento do coração de seu coração, seu fôlego.  Minhas células vibram com sua vida e com meu desejo de nossa união. Como desejei uma como você em todos os lugares e tempos. Procuro o calor de seu suave beijo para que desperte os verdadeiros fogos que ardem dentro de mim.  Permite que meu amor, como a luz do sol, derrame-se sobre seu corpo e alma"

Chandhroma ficou transfigurada com suas palavras, seu coração estava conquistado. Ela sorriu, Arjuna se sentou a seu lado e tocou suas mãos. Finalmente os dois começaram a rir e a falar como se se conheceram durante todas seus estoque e inclusive além delas. diz-se que o amor verdadeiro pode ser assim.

Inanna se alegrou muito pela Chandhroma, mas também sentiu o perigo. Já havia muitas mulheres mexericando na corte do Sultão. Sentiam inveja e desprezo pela moça. Agora que o filho do Sultão lhe tinha dedicado todos seus afetos a ela, quem sabe aonde chegariam todos esses ciúmes? O veneno era a solução mais conhecido para as rivalidades dentro do harém.

Às mulheres do palácio lhes permitia tão pouca liberdade que suas energias terminavam por menosprezar-se entre si. De vez em quando se chegava até matar a um bebê para tirar do caminho um herdeiro potencial. Certamente o harém podia ser um lugar perigoso. Como era uma bailarina, em realidade Chandhroma nunca tinha sido parte desse mundo, além disso gozava do amparo da Vasudeva. Mas os cuidados da Arjuna a converteriam em alguma concubina frustrada com ambições de poder. Inanna sabia que as mulheres dessa época maliciosamente conspiravam uma contra a outra para defender seu escasso território. A impotência das mulheres feria profundamente a Inanna, mas era imperativo que advertisse a Chandhroma sobre o perigo.

Mas ela estava muito apaixonada e sob o feitiço de Arjuna se encontrava já em um mundo longínquo. Os dois amantes passavam seus dias tomando vinho e fazendo amor nos jardins mágicos de Cachemira. No palácio todos falavam sobre sua relação. Inanna não pôde por nenhum meio obter a atenção da Chandhroma. Como podia lhe advertir?

Um dia Chandhroma retornou a seu quarto e sobre a mesa encontrou um presente. Era uma garrafa de ouro com rubis vermelhos incrustados. A habilidade de quem a desenhou era impressionante e havia uma nota que descrevia as propriedades mágicas do conteúdo da garrafa. Dizia que era o elixir da beleza eterna e a vitalidade. Inocentemente, Chandhroma abriu a garrafa e cheirou seu conteúdo. O quarto se encheu com o aroma de cem rosas e Chandhroma se deixou vencer pelo desejo de provar o elixir. Inanna temeu o pior e evocou seus poderes para o qual tombou um formoso floreiro com o fim de atrair a atenção da Chandhroma. O floreiro caiu e se quebrou sobre os ladrilhos de mármore, mas Chandhroma estava totalmente distraída, possuída pelo feitiço da fragrância de rosas.

Levantou a garrafa até seus lábios. Ao provar o líquido, sentiu uma contração violenta em seu corpo. Quando caiu ao piso duro, pensou em Arjuna. Como desejava sentir seus braços a seu redor, saborear uma vez mais seus lábios e olhar no profundo de seus olhos. Tratou de gritar, mas toda sua força se foi. Sua vida lhe escapou. Quando Chandhroma se retirou de seu corpo, Inanna estava lá para abraçá-la.

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