segunda-feira, 6 de junho de 2016

O Retorno de Inanna - 2ª Parte - III e IV

V. S. Ferguson

O Retorno de Inanna 
2ª Parte
Capitulos III e IV

III.- OLNWYNN

Inanna e Melinar passaram ao ovalóide transparente e se sentaram em silêncio. Ela observou as formas geométricas de Melinar que se moviam de uma maneira tão rápida que, embora ela se esforçasse, não pôde reduzir sua velocidade o suficiente para distinguir uma forma das outras. Não obstante, deu-se conta de que muitas das formas eram estranhas. O grupo estava composto de algo mais que cubos, pirâmides, ou inclusive rombóides. Muitas das formas eram totalmente desconhecidas para ela, formas cuja memória não alcançava.

Melinar lhe recordou que sua geometria de brilhantes representava uma linguagem codificada. À medida que se formavam seus pensamentos apareciam formas correspondentes cheias dos matizes complicados de seus modelos de pensamento. Quanto mais rapidamente se formavam seus pensamentos, com mais rapidez trocavam as formas geométricas e aparecia um arco- íris que se fazia mais intenso quando seus pensamentos eram mais ferventes ou sua curiosidade se satisfazia.

Ele podia produzir sons de um idioma falado, mas lhe parecia que o pensamento puro era muito mais interessante já que transmitia muito mais do que as palavras pudessem fazê-lo. Estes pensamentos se criaram automaticamente na mente de Inanna em forma de conhecimento.

Inanna estava muito feliz de ter a seu velho amigo de novo em sua realidade. Por um tempo os dois simplesmente trocavam informação, recordando os velhos tempos. Inanna recordou quão cativante era ser uma forma como a de Melinar. Para ela era difícil compreender agora por que tinha desejado sair desse estado puro de beleza.

Uma estranha energia interrompeu suas lembranças nostálgicas.

Um guerreiro muito alto com uma tocha na mão parou frente a eles. Tinham-lhe cortado o pescoço de orelha a orelha, o que não era muito atrativo. O homem estava obviamente perplexo e terrivelmente confundido.

"Quem demônios são vocês?", perguntou.

Inanna o reconheceu. Era Olnwynn, um dos seu Eu dimensional. Ela o tinha projetado no norte da Irlanda no século II. Seu DNA parecia prometedor mas tudo tinha saído mau. Ele se negava a escutá-la sem importar em que forma lhe aparecesse. Era óbvio que a forma em que ela estava agora tampouco serviria de muito. A Olnwynn parecia muito atrativo o corpo sensual mas firme dela.

"Hey, o que temos aqui? É a garota mais formosa que jamais tinha visto. Por Deus! Sua pele é azul!"
Rapidamente Inanna trocou o holograma na mente de Olnwynn. Deixou Melinar em sua forma geométrica pensando que Olnwynn o poderia identificar como a luz de uma fada. Ela tomou a forma de um sacerdote druida, alto e que inspirava temor mas não muito estrito ou julgador.

Olnwynn olhou fixamente ao sacerdote em meio da confusão. "Aonde se foi ela? Quem demônios é você?" "Que mau este dia!", pensou. Depois de um de seus acostumados excessos de doçura, deprimiu-se e lhe aconteceu algo estranho. Primeiro houve uma dor aguda e rápida e logo começou a flutuar por cima de seu forte e formoso corpo. De cima olhava uma cena horripilante.

Seu próprio filho estava de pé ao lado de seu corpo com uma adaga larga, afiada e ensangüentada em sua mão. Confuso, o filho tremia e chorava em agonia. Olnwynn olhava para baixo e via que o sangue saía abundante de sua garganta, a qual estava totalmente aberta. Ele estava acostumado a estas cenas, mas esta era diferente; era sua garganta e seu sangue.

A porta se abriu de par em par quando sua esposa e seu irmão entraram no quarto. A esposa abraçou a seu filho, lhe agradecendo por ter vingado sua honra. O tio lhe deu um tapinha nas costas e lhe prometeu que algum dia seria rei. O filho se voltou histérico e caiu ao lado do corpo soluçando: "Pai, assassinei-te! Pai!"

Olnwynn flutuou ao redor de seu corpo enquanto sua concentração o permitia. Pôde ver a verdade de todo o drama: sua bela esposa tinha estado dormindo com seu irmão e os dois tinham conspirado para assassiná-lo, apoderar-se do castelo e do reino, e colocar a seu irmão no trono. A única pessoa que podia aproximar-se o suficiente para assassiná-lo era seu próprio filho. A esposa passou muitas horas lhe contando histórias cruéis e outros dramas para convencê-lo de que teria que acabar com Olnwynn. Finalmente teve êxito. Inclusive Olnwynn sabia que se excedeu ao golpeá-la, mas agora estava morto e flutuava por cima do que uma vez foi seu castelo.

As celebrações que houve ao redor do castelo lhe pareceram abomináveis e seu filho não se recuperava. Pouco depois sentiu que uma força estranha o devorava, o qual o confundiu. Decidiu seguir a força aonde quer que fosse. Ele nunca tinha permitido que o temor o vencesse, de modo que agora estava frente a um sacerdote druida rodeado do que pareciam ser luzes de fadas.

O sacerdote druida falou: "Olnwynn, estavamo-lhe esperando. Deve relaxar e te acalmar. Aqui lhe cuidaremos. Ninguém te julgará; está entre amigos".

Inanna olhou a garganta aberta e decidiu curá-la imediatamente, principalmente porque era algo grotesco. De todos os modos Olnwynn tinha sofrido o suficiente e não precisava andar por aí com o gogó pendurado para lhe recordar que não tinha ido muito bem em sua vida.

Olnwynn sentiu que sua garganta tinha sido restaurada. "Como fez isso?" Com um suspiro soltou sua tocha e desabou cansado e sedento ante o sacerdote druida. Fazia três dias que não tomava nada. Ou eram três anos?

O sacerdote falou de novo: "Agora, Olnwynn, possivelmente deveríamos repassar os dados de sua memória. Sente-se o suficientemente forte para esta experiência?" "Estou morto?", perguntou Olnwynn. Sempre é o mesmo, explicou Inanna a Melinar. Nem sequer sabem que estão mortos e eu pouco a pouco tenho que fazer que se sintam cômodos em seu novo estado. É muito mais trabalho do que eu pensei que seria.

"Sim, Olnwynn, está morto. Mas como vê, é só seu corpo o que está morto. Você, quer dizer, seu ser consciente e a experiência total de sua vida, estão aqui conosco em outra dimensão. Não é algo tão mau".

"Pode-me conseguir um gole? Vinho? Cerveja? Algo servirá". O vício do licor tinha sido a causa de muitas de suas dificuldades, mas Inanna produziu um corpo de cerveja para o estremecido guerreiro. A tragou como se não houvesse um amanhã, o que para ele era certo. deu-se conta de que não tinha o sabor apropriado, não o fazia sentir tão bem como antes, mas se alegrou de tê-la e pediu outra.

O sacerdote druida falou: "Haverá muito tempo para isso, nos concentremos agora em sua história, sua aventura no contínuo espaço/tempo. Temos um trabalho por fazer, você sabe".

"Um trabalho. Que trabalho? Ninguém me disse nada de trabalho algum. Eu simplesmente estava vivendo minha vida quando meu próprio filho me assassinou. Perdi meu reino e minha vida. O que quer dizer com isso de um maldito trabalho?"

"Te acalme, observemos sua vida, Olnwynn". Rodeou-os um holograma bastante grande e ambos observaram como o tempo se desenvolvia ante seus olhos.

Inanna tinha estado pendente das aventuras amorosas de uma sacerdotisa druida no século II a.C. na Irlanda. Na parte ocidental da ilha vivia uma raça de seres em uma paisagem remota e rústica. Eles veneravam a natureza. Despenhadeiros altos ao lado do mar, ventos fortes e bosques verdes lhe davam um sabor poético e místico a esta terra bela e rústica. Sua gente amava a beleza selvagem de sua terrra. Eles eram apaixonados e beligerantes.

Inanna se tinha decidido a nascer como homem através de uma sacerdotisa druida que era de sua antiga linhagem. Fazia muitos séculos os antepassados da moça tinham vindo dos muitos meninos que Inanna tinha produzido em suas cerimônias de matrimônio sagrado. A sacerdotisa estava apaixonada por um guerreiro valente e nobre, mas ele já estava casado. Sua paixão deu origem a um menino varão, mas a pequena sacerdotisa morreu no parto. O pai nunca reconheceu ao filho e por isso Olnwynn, um dos Eu multidimensionais de Inanna, nasceu como órfão sem ninguém que o cuidasse. Os druidas o tinham adotado e o converteram em um moço.

Até em menino era muito formoso e desde que começou a caminhar cativou a todos os que o rodeavam. Com seu sorriso tirava o sarro às mulheres e as fazia rir. Todos o queriam e o povo inteiro o adotou. Ele tinha nascido com o dom de poder falar espontaneamente em rima. Este talento era respeitado como sinal de que Olnwynn era amado pelos deuses, como na verdade o era, especialmente pela Inanna.

Olnwynn chegou a ser um homem forte e alto, formoso, de cachos de cabelo dourados. Começou a seduzir às damas logo que pôde, mas foi sua habilidade com a tocha o que lhe outorgou fama e fortuna. Na batalha entrava em uma espécie de transe, convertia-se em uma força e, em um arrojo frenético, derrubava inimigo atrás de inimigo, decapitando-os de um só golpe. À medida que crescia sua reputação, as pessoas chegaram a pensar que ele era um deus. Correu o rumor de que os deuses o tinham engendrado e que era imortal.

Tudo o que sabia de sua habilidade aplicava na batalha. Também desafiava a todo aquele que falasse em rima e sempre ganhava. Como continuava derrotando a todo mundo em rima e em batalha, foi lógico que a gente o proclamasse como seu rei. Mudou-se para um castelo grande em cujas paredes colocou sua coleção de cabeças cortadas. Um costume muito peculiar. Podem imaginar-se que aspecto horrível que apresentavam essas paredes faria pensar duas vezes a quem queria atrever-se a atacar o castelo.

Olnwynn sempre tinha sido aficionado à bebida. Agora era o rei e ninguém podia evitar que bebesse ou que fizesse o que lhe viesse em vontade. Não dava contas a ninguém. Sem muito esforço tinha todas as mulheres que queria. Elas virtualmente se entregavam. Nenhuma pôde acreditar quando finalmente se casou. Todas diziam que sua esposa deve tê-lo enfeitiçado ou que lhe tinha posto ervas em sua cerveja. Era certo que sua bela esposa vinha de uma extensa linhagem de bruxas. Algumas se atreviam a dizer que o poder de sua sedução sexual procedia da magia. Ela queria a Olnwynn, mas também queria riqueza e posição. Além disso, deu ao Olnwynn o filho que lhe tinha pedido.

Um dia, um homem que se parecia com o Olnwynn se aproximou do portão do castelo afirmando que ele era o filho do guerreiro que supostamente tinha engendrado ao Olnwynn. Eles sim se pareciam muito, embora Olnwynn era muito mais atrativo e mais alto que seu misterioso novo irmão.

Olnwynn era muito crédulo por natureza, aceitou ao irmão e se alegrou de ter alguém com quem beber e farrear. Seria muito bom que seu filho tivesse um tio e este irmão era rico, uma vantagem para sua corte. Olnwynn não se deu conta da atração que havia entre sua bela esposa e seu novo irmão, mas todos os outros perceberam. O irmão passou muitas horas ensinando ao sobrinho história e a arte do espadachim. Por um tempo foram uma família.

Inanna, que tinha encarnado no Olnwynn e simultaneamente o estava observando como seu Eu total, começou a dar-se conta de que estava perdendo a batalha contra a natureza baixa dele. A poderosa programação que havia em sua carne e sangue chegou a dominá-lo. A matéria e os cinco sentidos estavam sujando o espírito. Durante este período, Inanna se esforçou por inspirá-lo; lhe apareceu em forma de dragão, de deus, de deusa (grande engano), e finalmente como guerreiro antigo. Animou-o a que se fora sozinho, a que contemplasse a fonte de sua poesia e de sua grandeza. Mas inclusive quando conseguia convencê-lo de que escutasse, o que não era muito freqüente, e quando lhe prometia que o faria, imediatamente ia beber. Esquecia tudo o que tinham praticado. Inanna se sentia muito frustrada.

Olnwynn possuía os gens apropriados. Era dotado; pôde ter tido acesso a todas as dimensões, inclusive com o corpo humano. Pode ter trazido freqüências de iluminação ao planeta Terra. Mas não, preferiu embebedar-se e seduzir mulheres.

Que desperdício tão descomunal! Inanna esteve a ponto de deixar de observar sua vida; era tão aborrecida e repetitiva. Com o tempo até sua poesia se tornou monótona.

O matrimônio não evitou que Olnwynn seguisse procurando mulheres. Tinha a tendência a pensar que qualquer ser em saias pertencia a ele, embora fosse só por uma noite. Podem imaginar as cenas que se apresentavam com sua esposa no castelo. Ela tinha um caráter irritável que desatava sobre o Olnwynn quando o considerava necessário. À medida que passavam os anos, convertia-se mais e mais em uma harpia rabugenta; até chegou a irritar a Inanna. Não terá que culpar à mulher, mas, por Deus, suas diatribes de ciúmes e seus chiliques eram mais do que qualquer um podia suportar no castelo. Todo mundo sabia que Olnwynn era rebelde, mas sempre tinha sido assim. Depois de tudo, era tão encantador e tão formoso. Todos viam sua esposa como uma bruxa e pensavam que não era estranho que procurasse a outras mulheres.

Então a bebida começou a ter seus efeitos daninhos inevitáveis na mente do Olnwynn. Ele começou a deteriorar-se. Começou a golpear a sua esposa quando ela o repreendia. Ele era grande e ela pequena e a cenas se voltaram grotescas. Ela corria a procurar o irmão de Olnwynn e chorando lhe mostrava o sangue e os machucados. Com o tempo obteve que seu filho, o irmão e a maior parte da corte se voltassem contra o rei.

Ele se voltava cada vez mais e mais violento. Cada noite bebia até ficar na letargia e perdia o conhecimento. Seu fiel servente, que teria matado a qualquer um que se atrevesse a tocar seu rei, levava-o cada noite a seu quarto. Olnwynn tinha salvado a vida deste homem muitas vezes em batalha. Ninguém se atrevia a atacar ao Olnwynn frente a frente, inclusive bêbado era temível. Só havia um que tinha permissão para entrar no dormitório do rei, seu filho. A esposa do Olnwynn sabia que a única oportunidade de matar a seu marido era convencer a seu filho de que lhe cortasse a garganta enquanto dormia indefeso.

Olnwynn observou vagamente o holograma de sua vida. Inanna esteve a ponto de voltar para seu corpo azul mas rapidamente converteu na forma familiar do sacerdote druida. "Então, meu filho, vê como foram as coisas para ti".

Ao princípio Olnwynn não pôde orientar-se e se sentiu enjoado pelo filme transparente que se apresentava ante seus olhos. Não quis voltar a ver a parte em que o sangue saía em jatos de sua garganta. O sacerdote apagou essa repetição e por uns momentos reinou um silêncio infinito.
Olnwynn recuperou a serenidade e falou: "O que disse quanto a que terei que fazer um trabalho?"
Pelo menos sua curiosidade não estava extinta.


IV.- MONTANHA PERDIDA


Graciela queria um gole. Preferia o vinho francês vermelho, mas esta noite algo serviria. Montanha Perdida ficava muito longe de Nova Iorque. Já se estava acostumando ao silêncio mas se sentia um pouco vulnerável sem o ruído e a atividade da cidade que lhe davam uma falsa sensação de segurança. Acomodada em sua cabana de troncos e acompanhada de seus dois cães, Graciela admitiu que se sentia mais segura estando sozinha nesta montanha que em qualquer lugar da cidade.

Qualquer um pode se sentir tão sozinho em Montanha Perdida como em Nova Iorque. Houve dias na cidade que não falava com ninguém. Ela sempre tinha sido uma solitária. Tinha nascido em uma família enriquecida do velho sul e sempre pensou que de algum jeito tinha aterrissado na família equivocada. Para ela tinha sido fácil acreditar que na verdade poderia ser uma extraterrestre, pois nunca se sentiu à vontade na Terra. Dentro de seu ser havia um sentimento de um profundo vazio que sempre esteve com ela.

Era como se soubesse que não pertencia a este lugar e desejava ir para casa, ficasse onde ficasse. Ela tinha viajado muito, casou-se, divorciou-se, uniu-se a grupos, tinha-os abandonado e tinha lido muitos livros, mas ninguém tinha as respostas que estava procurando. Tinha lido que os monges no Tibet se encerravam em celas escuras durante um ano e não falavam com ninguém. Ela estava pronta para fazer o mesmo, mas a sua maneira.

Pensou em sua infância enquanto se servia um merlot californiano. Seu pai era um empresário de centros comerciais, não aqueles enormes que absorvem tudo, mas pequenos que aparecem em todas as partes para contribuir com sua estética ao infortúnio suburbano. Ele era muito rico e estava muito ocupado, muito ocupado para atender a sua filha. Todo mundo lhe dizia que deveria estar feliz e agradecida; tinha todo o dinheiro do mundo, estudou na melhor escola privada e podia comprar com seus cartões a roupa que quisesse nas melhores lojas. Seu irmão sim era feliz, estava seguro de que se encarregaria dos negócios de seu pai quando crescesse e ocuparia seu lugar no mundo como um exemplo destacado do sonho americano. Mas, se tudo era cor de rosa, pensava Graciela, por que sua mãe tomava tantas pílulas?

Diana, a mãe, era uma beldade sulina da velha escola. Sua própria mãe morreu quando só tinha quatro anos e a pequena Diana se culpou por isso. Quando era jovem Diana procurou ser independente, mas passados dos 30 anos se casou com o Brent, o pai da Graciela. Fez-o por amor e também por temor à solidão. Brent amava a Diana a sua maneira, mas era um tirano inato. Se Diana não fazia sua vontade ele desatava sua ira contra ela. O gabinete de banho de Diana estava repleto de tranqüilizantes e pílulas para dormir, que chegaram a ser "os pequenos ajudantes de mamãe".

Graciela tampouco era imune ao mau gênio de seu pai. Se ela se interpunha em seu caminho ou não estava de acordo com os planos que ele tinha para sua vida, explorava e a degradava com palavras cruéis. Em silêncio a mãe saía para procurar seu gabinete enquanto Graciela ficava reduzida aos soluços. Ninguém defendia a Graciela, ninguém a apoiava. Logo, depois destes episódios, para suavizar as coisas, o pai lhe comprava bonecas, um vestido e mais tarde, ações. Mas ela nunca aprendeu a ver a vida da maneira como a via sua família. Temia converter-se em um troféu para algum tirano rico em caso de que se casasse. Ela não queria terminar como sua mãe, sem se importar com o pagamento.

No bacharelado a vida da Graciela não foi tampouco muito feliz. Embora era formosa e tinha seus pretendentes, havia uma parte dela que ninguém conhecia, que aparentemente ninguém queria conhecer. Rebelou-se e começou a procurar gente que era inaceitável para sua família. Fez amizade com artistas e músicos. Era a época dos anos 60 e Graciela escapou para Nova Iorque, em busca de "ar fresco".

Naquela cabana da montanha reinava a quietude. Até o louco uivo dos coiotes tinha cessado. Não havia lua, somente as estrelas. Graciela decidiu dormir fora na terraço sob o céu. Com seus jeans e seu suéter se meteu em seu saco de dormir e olhou para cima. Deus! podia-se ver cada estrela no céu e havia milhões delas. Definitivamente isto não era como a cidade. Era tão antigo. Graciela se esqueceu de seu passado, de sua solidão, de seu temor e se perdeu na beleza do céu noturno.

Inanna estava ainda no disfarce do sacerdote druida e falou com o Olnwynn: "meu filho, pode descansar um momento. Falaremos mais tarde".

A paz e a calma que emanava Graciela alcançaram a realidade da Inanna. "Melinar, esta é nossa oportunidade. O que lhe dizemos? O que fazemos? Não queremos assustá-la".

Os brilhantes de Melinar começaram a acelerar-se.

Os grandes olhos castanhos de Graciela se encheram de lágrimas.

A beleza do céu noturno era muito para ela, desde fazia muitos anos não tinha visto um céu assim. Sorriu quando uma estrela fugaz cruzou frente a ela. Um bom presságio, pensou. Este é meu lar, aqui encontrarei o que estou procurando.

O céu estrelado era tão brilhante que Graciela fechou os olhos. Detrás de suas pálpebras percebeu a escuridão total de sua imaginação. Pensou sobre este contraste até que um objeto pitoresco se formou nessa escuridão e começou a girar. Frente a ela começaram a mover-se e a mudar, como jóias preciosas, formas geométricas esquisitamente belas. Era um espetáculo digno de presenciar e ela não queria que se afastasse. Não sabia o que podia ser este espetáculo de luzes, mas instintivamente lhe agradava.

Graciela sempre tinha tido visões; quando era menina tinha seus amigos imaginários. Um deles era um extraterrestre diminuto. Este amistoso ser voava ao lado do carro de seu pai no veículo mais fascinante. Contava a Graciela toda classe de histórias interessantes, explicava-lhe coisas e a mantinha ocupada durante horas. Em anos posteriores Graciela desejou recordar algo do que lhe havia dito este ser. Por que o tinha esquecido? Ela se havia sentido tão perto dele e lhe tinha ensinado tantas coisas que realmente precisava saber. Por que não podia as recordar agora?

As jóias mutantes continuavam dançando ante seus olhos enquanto ela estava acordada. Sentia-se segura. Finalmente o vinho e o céu noturno a levaram ao sono. Pensou que no dia seguinte daria um passeio no bosque de cedros. O rico aroma dos cedros se empilhou em sua consciência enquanto ficava profundamente adormecida.

Melinar sorriu. "Vê, Inanna, ajudaremo-lhe a sentir-se segura e a que seja uma com o céu e o bosque. Seus temores se derreterão para a Terra e se abrirá a nós. Ensinaremo-lhe a amar-se a si mesma e esse amor lhe proporcionará a coragem para saber".

Inanna olhou fixamente a Olnwynn, que já estava roncando. Constantemente a assombravam as palhaçadas de seu Eu multidimensional. Estes seres continham seu DNA e em algum lugar do tempo ela tinha sido a origem de todos eles. Mas encontrar-se a si mesmo entre toda a barafunda resultante de todos estes seres que ela tinha criado se converteu em um desafio progressivo. Não obstante, em algum lugar dentro de todos estes seres se encontrava a habilidade latente de ser algo que eles queriam ser. Cada um possuía o poder de pensar por si mesmo. Cada um deles era um coletor de informação para o Primeiro Criador.

Como seu DNA estava só parcialmente ativado, seu Eu multidimensional estavam apanhados em uma espécie da prisão eletrônica de experiências que se repetiam milhares de vezes, como se o planeta inteiro estivesse condenado a um rebobinamento eterno. A espécie humana era famosa em toda a galáxia por sua incapacidade de aprender com suas aventuras. Os tiranos e as guerras foram e vinham. Não obstante, ninguém parecia aprender a lição. Inanna conhecia muito bem ao guardião desta prisão. Durante a maior parte de sua vida pleyadense ela tinha estado inimizada com seu primo Marduk.

Marduk tinha tido êxito em derrotar a todos os outros membros da família de Anu e agora controlava não somente a Terra, mas também seu planeta nativo, Nibiru, assim como todo o sistema das Pleyades. Sua tirania era suprema e seus métodos engenhosos. Era tão egoísta como desumano, e tinha fabricado um extenso exército de clones de soldados que se pareciam com ele. sentia-se realizado com a dor e a frustração daqueles a quem conquistava e dirigia. O pior de tudo era que os habitantes da Terra nem sequer sabiam quem era seu carcereiro. Eles acreditavam que tinham cometido um pecado imperdoável e se culpavam um ao outro de sua triste condição.

Marduk fomentava o antagonismo entre os grupos da gente por meio de propaganda sutil de lavagem de cérebro. Controlava famílias, tribos, nações; nenhum grupo era muito grande ou muito pequeno para ser controlado. Quando se produzia uma idéia boa se animava a um grupo a que a apoiasse e a seguisse enquanto que um número igual era estimulado a se opor a ela. A idéia podia ser política ou religiosa, ou inclusive só a idéia de cruzar um oceano. 

Como os humanos tinham um cérebro desligado que funcionava a um décimo de sua capacidade, em vez de raciocinar por si mesmos, eles só reagiam, freqüentemente com violência, às sutis manipulações de Marduk. Em uma terra tão fértil era muito fácil iniciar uma guerra. As guerras religiosas eram o prato favorito de Marduk. Chegou a preponderar um tipo de mente que não produzia pensamentos originais, mas sim reagia aos dos outros. 

O comportamento repetitivo se imprimiu nos gens da raça humana através da emoção do temor. A ninguém lhe permitia recordar durante um comprido tempo que todos os humanos em um princípio tinham vindo da mesma fonte. Aqueles que sugeriam estas idéias eram ridicularizados ou brutalmente destruídos. Ninguém recordava que a fonte de toda a vida era o amor do Primeiro Criador. Inanna pensou no papel que ela jogou neste engano progressivo. Ela e sua família se comportaram como meninos malcriados que só tinham satisfeito seus caprichos egoístas sem pensar nas conseqüências. Sem sabê-lo, a família tinha criado Marduk, o resultado perfeito de sua agressão e rixa ególatra. Não era o melhor dos legados.

Se a família de Anu não se visse rodeada da Parede invisível, provavelmente teriam seguido seu estilo de vida egoísta e controlador. Mas a Parede teve o efeito de deter a evolução progressiva de todos e cada um dos membros da família, inclusive de Inanna. Ela nunca tinha estado tão aborrecida; era como se toda a emoção e a espontaneidade tivessem desaparecido de suas vidas. Como não tinham outra alternativa, o único que ficava era reparar o dano que tinham feito na Terra. Para que desaparecesse a Parede terei que liberar à espécie humana de sua roda repetitiva para que começassem a evoluir e deixassem de adorar ao deus cujo nome nem sequer conheciam: Marduk.

De modo que Inanna e muitos outros membros da família tinham escolhido projetar porções variáveis de si mesmos para corpos em múltiplos marcos de tempo. Eles tinham a esperança de que algum destes Eu multidimensionais pudesse ativar os gens perdidos da espécie e criasse o potencial para uma mudança total sobre a Terra. Que pena! Suas esperanças começaram a murchar-se e esta tarefa estava resultando muito árdua no melhor dos casos. Não era benéfico dizer aos humanos que faz mais de 500.000 anos que uma raça extraterrestre tinha invadido a Terra. Era igualmente inútil lhes dizer que seu DNA tinha sido desligado parcialmente. Marduk tinha tido muito êxito em desprestigiar estas idéias desde o começo e qualquer que as expressasse era ridicularizado. 

Os humanos eram tão inseguros que facilmente esqueciam a idéia de contar a outro que não estavam de acordo com o consenso geral. Qualquer um que via ou escutava algo que não estava de acordo com o que a maioria pensava, era desacreditado e em algumas épocas até os queimavam em um madeiro.

A televisão e mais tarde os computadores se converteram na ferramenta principal para o controle dos pensamentos das massas. A "auto-estrada da informação" facilitou a Marduk o controle sobre a mente do planeta inteiro. Na verdade os monitores de computador e televisão se converteram em espécie de altares em cada lar. A gente se sentava frente a eles durante horas, enchendo suas mentes com a propaganda de Marduk. As posses aumentaram e afogaram às pessoas à medida que se endividavam mais e mais e lutavam por ser tão formosos e ricos como os que viam na TV. A maioria dos lares tinham pelo menos três desses aparelhos. A raça humana inteira queria ser rica; os ricos e poderosos eram respeitados sem importar como era seu caráter ou comportamento.

As freqüências eletrônicas que envolviam a Terra faziam quase impossível a comunicação entre a Inanna e sua família e seu Eu multidimensional, porque ninguém estava escutando.

Inanna observou como dormia Graciela. Seus cães a faziam recordar os dois leões domésticos que tanto amou na Terra. Os cães despertaram quando a consciência de Inanna se enfocou sobre eles. Possivelmente, pensou ela, possa me comunicar com a Graciela. Inanna se permitiu o sentimento de esperança à medida que esquadrinhava os dados da vida de seu outros Eu.

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