V. S. Ferguson
O Retorno de Inanna
2ª Parte
Capitulos III e IV
III.- OLNWYNN
Inanna
e Melinar passaram ao ovalóide transparente e se sentaram em silêncio. Ela observou
as formas geométricas de Melinar que se moviam de uma maneira tão rápida que,
embora ela se esforçasse, não pôde reduzir sua velocidade o suficiente para
distinguir uma forma das outras. Não obstante, deu-se conta de que muitas das
formas eram estranhas. O grupo estava composto de algo mais que cubos,
pirâmides, ou inclusive rombóides. Muitas das formas eram totalmente
desconhecidas para ela, formas cuja memória não alcançava.
Melinar
lhe recordou que sua geometria de brilhantes representava uma linguagem
codificada. À medida que se formavam seus pensamentos apareciam formas
correspondentes cheias dos matizes complicados de seus modelos de pensamento.
Quanto mais rapidamente se formavam seus pensamentos, com mais rapidez trocavam
as formas geométricas e aparecia um arco- íris que se fazia mais intenso quando
seus pensamentos eram mais ferventes ou sua curiosidade se satisfazia.
Ele
podia produzir sons de um idioma falado, mas lhe parecia que o pensamento puro
era muito mais interessante já que transmitia muito mais do que as palavras
pudessem fazê-lo. Estes pensamentos se criaram automaticamente na mente de
Inanna em forma de conhecimento.
Inanna
estava muito feliz de ter a seu velho amigo de novo em sua realidade. Por um
tempo os dois simplesmente trocavam informação, recordando os velhos tempos.
Inanna recordou quão cativante era ser uma forma como a de Melinar. Para ela
era difícil compreender agora por que tinha desejado sair desse estado puro de
beleza.
Uma
estranha energia interrompeu suas lembranças nostálgicas.
Um
guerreiro muito alto com uma tocha na mão parou frente a eles. Tinham-lhe
cortado o pescoço de orelha a orelha, o que não era muito atrativo. O homem
estava obviamente perplexo e terrivelmente confundido.
"Quem
demônios são vocês?", perguntou.
Inanna
o reconheceu. Era Olnwynn, um dos seu Eu dimensional. Ela o tinha projetado no
norte da Irlanda no século II. Seu DNA parecia prometedor mas tudo tinha saído
mau. Ele se negava a escutá-la sem importar em que forma lhe aparecesse. Era
óbvio que a forma em que ela estava agora tampouco serviria de muito. A Olnwynn
parecia muito atrativo o corpo sensual mas firme dela.
"Hey,
o que temos aqui? É a garota mais formosa que jamais tinha visto. Por Deus! Sua
pele é azul!"
Rapidamente
Inanna trocou o holograma na mente de Olnwynn. Deixou Melinar em sua forma
geométrica pensando que Olnwynn o poderia identificar como a luz de uma fada.
Ela tomou a forma de um sacerdote druida, alto e que inspirava temor mas não
muito estrito ou julgador.
Olnwynn
olhou fixamente ao sacerdote em meio da confusão. "Aonde se foi ela? Quem
demônios é você?" "Que mau este dia!", pensou. Depois de um de
seus acostumados excessos de doçura, deprimiu-se e lhe aconteceu algo estranho.
Primeiro houve uma dor aguda e rápida e logo começou a flutuar por cima de seu
forte e formoso corpo. De cima olhava uma cena horripilante.
Seu
próprio filho estava de pé ao lado de seu corpo com uma adaga larga, afiada e
ensangüentada em sua mão. Confuso, o filho tremia e chorava em agonia. Olnwynn
olhava para baixo e via que o sangue saía abundante de sua garganta, a qual
estava totalmente aberta. Ele estava acostumado a estas cenas, mas esta era
diferente; era sua garganta e seu sangue.
A
porta se abriu de par em par quando sua esposa e seu irmão entraram no quarto.
A esposa abraçou a seu filho, lhe agradecendo por ter vingado sua honra. O tio
lhe deu um tapinha nas costas e lhe prometeu que algum dia seria rei. O filho
se voltou histérico e caiu ao lado do corpo soluçando: "Pai,
assassinei-te! Pai!"
Olnwynn
flutuou ao redor de seu corpo enquanto sua concentração o permitia. Pôde ver a
verdade de todo o drama: sua bela esposa tinha estado dormindo com seu irmão e
os dois tinham conspirado para assassiná-lo, apoderar-se do castelo e do reino,
e colocar a seu irmão no trono. A única pessoa que podia aproximar-se o
suficiente para assassiná-lo era seu próprio filho. A esposa passou muitas
horas lhe contando histórias cruéis e outros dramas para convencê-lo de que
teria que acabar com Olnwynn. Finalmente teve êxito. Inclusive Olnwynn sabia
que se excedeu ao golpeá-la, mas agora estava morto e flutuava por cima do que
uma vez foi seu castelo.
As
celebrações que houve ao redor do castelo lhe pareceram abomináveis e seu filho
não se recuperava. Pouco depois sentiu que uma força estranha o devorava, o
qual o confundiu. Decidiu seguir a força aonde quer que fosse. Ele nunca tinha
permitido que o temor o vencesse, de modo que agora estava frente a um
sacerdote druida rodeado do que pareciam ser luzes de fadas.
O
sacerdote druida falou: "Olnwynn, estavamo-lhe esperando. Deve relaxar e
te acalmar. Aqui lhe cuidaremos. Ninguém te julgará; está entre amigos".
Inanna
olhou a garganta aberta e decidiu curá-la imediatamente, principalmente porque
era algo grotesco. De todos os modos Olnwynn tinha sofrido o suficiente e não
precisava andar por aí com o gogó pendurado para lhe recordar que não tinha ido
muito bem em sua vida.
Olnwynn
sentiu que sua garganta tinha sido restaurada. "Como fez isso?" Com um
suspiro soltou sua tocha e desabou cansado e sedento ante o sacerdote druida.
Fazia três dias que não tomava nada. Ou eram três anos?
O
sacerdote falou de novo: "Agora, Olnwynn, possivelmente deveríamos
repassar os dados de sua memória. Sente-se o suficientemente forte para esta
experiência?" "Estou morto?", perguntou Olnwynn. Sempre é o
mesmo, explicou Inanna a Melinar. Nem sequer sabem que estão mortos e eu pouco
a pouco tenho que fazer que se sintam cômodos em seu novo estado. É muito mais
trabalho do que eu pensei que seria.
"Sim,
Olnwynn, está morto. Mas como vê, é só seu corpo o que está morto. Você, quer
dizer, seu ser consciente e a experiência total de sua vida, estão aqui conosco
em outra dimensão. Não é algo tão mau".
"Pode-me
conseguir um gole? Vinho? Cerveja? Algo servirá". O vício do licor tinha
sido a causa de muitas de suas dificuldades, mas Inanna produziu um corpo de
cerveja para o estremecido guerreiro. A tragou como se não houvesse um amanhã,
o que para ele era certo. deu-se conta de que não tinha o sabor apropriado, não
o fazia sentir tão bem como antes, mas se alegrou de tê-la e pediu outra.
O
sacerdote druida falou: "Haverá muito tempo para isso, nos concentremos
agora em sua história, sua aventura no contínuo espaço/tempo. Temos um trabalho
por fazer, você sabe".
"Um
trabalho. Que trabalho? Ninguém me disse nada de trabalho algum. Eu
simplesmente estava vivendo minha vida quando meu próprio filho me assassinou.
Perdi meu reino e minha vida. O que quer dizer com isso de um maldito
trabalho?"
"Te
acalme, observemos sua vida, Olnwynn". Rodeou-os um holograma bastante
grande e ambos observaram como o tempo se desenvolvia ante seus olhos.
Inanna
tinha estado pendente das aventuras amorosas de uma sacerdotisa druida no
século II a.C. na Irlanda. Na parte ocidental da ilha vivia uma raça de seres
em uma paisagem remota e rústica. Eles veneravam a natureza. Despenhadeiros
altos ao lado do mar, ventos fortes e bosques verdes lhe davam um sabor poético
e místico a esta terra bela e rústica. Sua gente amava a beleza selvagem de sua
terrra. Eles eram apaixonados e beligerantes.
Inanna
se tinha decidido a nascer como homem através de uma sacerdotisa druida que era
de sua antiga linhagem. Fazia muitos séculos os antepassados da moça tinham
vindo dos muitos meninos que Inanna tinha produzido em suas cerimônias de
matrimônio sagrado. A sacerdotisa estava apaixonada por um guerreiro valente e
nobre, mas ele já estava casado. Sua paixão deu origem a um menino varão, mas a
pequena sacerdotisa morreu no parto. O pai nunca reconheceu ao filho e por isso
Olnwynn, um dos Eu multidimensionais de Inanna, nasceu como órfão sem ninguém
que o cuidasse. Os druidas o tinham adotado e o converteram em um moço.
Até
em menino era muito formoso e desde que começou a caminhar cativou a todos os
que o rodeavam. Com seu sorriso tirava o sarro às mulheres e as fazia rir.
Todos o queriam e o povo inteiro o adotou. Ele tinha nascido com o dom de poder
falar espontaneamente em
rima. Este talento era respeitado como sinal de que Olnwynn
era amado pelos deuses, como na verdade o era, especialmente pela Inanna.
Olnwynn
chegou a ser um homem forte e alto, formoso, de cachos de cabelo dourados.
Começou a seduzir às damas logo que pôde, mas foi sua habilidade com a tocha o
que lhe outorgou fama e fortuna. Na batalha entrava em uma espécie de transe,
convertia-se em uma força e, em um arrojo frenético, derrubava inimigo atrás de
inimigo, decapitando-os de um só golpe. À medida que crescia sua reputação, as
pessoas chegaram a pensar que ele era um deus. Correu o rumor de que os deuses
o tinham engendrado e que era imortal.
Tudo
o que sabia de sua habilidade aplicava na batalha. Também desafiava a todo
aquele que falasse em rima e sempre ganhava. Como continuava derrotando a todo
mundo em rima e em batalha, foi lógico que a gente o proclamasse como seu rei.
Mudou-se para um castelo grande em cujas paredes colocou sua coleção de cabeças
cortadas. Um costume muito peculiar. Podem imaginar-se que aspecto horrível que
apresentavam essas paredes faria pensar duas vezes a quem queria atrever-se a
atacar o castelo.
Olnwynn
sempre tinha sido aficionado à bebida. Agora era o rei e ninguém podia evitar
que bebesse ou que fizesse o que lhe viesse em vontade. Não dava
contas a ninguém. Sem muito esforço tinha todas as mulheres que queria. Elas
virtualmente se entregavam. Nenhuma pôde acreditar quando finalmente se casou.
Todas diziam que sua esposa deve tê-lo enfeitiçado ou que lhe tinha posto ervas
em sua cerveja. Era certo que sua bela esposa vinha de uma extensa linhagem de
bruxas. Algumas se atreviam a dizer que o poder de sua sedução sexual procedia
da magia. Ela queria a Olnwynn, mas também queria riqueza e posição. Além
disso, deu ao Olnwynn o filho que lhe tinha pedido.
Um
dia, um homem que se parecia com o Olnwynn se aproximou do portão do castelo
afirmando que ele era o filho do guerreiro que supostamente tinha engendrado ao
Olnwynn. Eles sim se pareciam muito, embora Olnwynn era muito mais atrativo e
mais alto que seu misterioso novo irmão.
Olnwynn
era muito crédulo por natureza, aceitou ao irmão e se alegrou de ter alguém com
quem beber e farrear. Seria muito bom que seu filho tivesse um tio e este irmão
era rico, uma vantagem para sua corte. Olnwynn não se deu conta da atração que
havia entre sua bela esposa e seu novo irmão, mas todos os outros perceberam. O
irmão passou muitas horas ensinando ao sobrinho história e a arte do espadachim.
Por um tempo foram uma família.
Inanna,
que tinha encarnado no Olnwynn e simultaneamente o estava observando como seu
Eu total, começou a dar-se conta de que estava perdendo a batalha contra a
natureza baixa dele. A poderosa programação que havia em sua carne e sangue
chegou a dominá-lo. A matéria e os cinco sentidos estavam sujando o espírito.
Durante este período, Inanna se esforçou por inspirá-lo; lhe apareceu em forma
de dragão, de deus, de deusa (grande engano), e finalmente como guerreiro
antigo. Animou-o a que se fora sozinho, a que contemplasse a fonte de sua
poesia e de sua grandeza. Mas inclusive quando conseguia convencê-lo de que
escutasse, o que não era muito freqüente, e quando lhe prometia que o faria,
imediatamente ia beber. Esquecia tudo o que tinham praticado. Inanna se sentia
muito frustrada.
Olnwynn
possuía os gens apropriados. Era dotado; pôde ter tido acesso a todas as
dimensões, inclusive com o corpo humano. Pode ter trazido freqüências de
iluminação ao planeta Terra. Mas não, preferiu embebedar-se e seduzir mulheres.
Que
desperdício tão descomunal! Inanna esteve a ponto de deixar de observar sua
vida; era tão aborrecida e repetitiva. Com o tempo até sua poesia se tornou
monótona.
O
matrimônio não evitou que Olnwynn seguisse procurando mulheres. Tinha a
tendência a pensar que qualquer ser em saias pertencia a ele, embora fosse só por
uma noite. Podem imaginar as cenas que se apresentavam com sua esposa no
castelo. Ela tinha um caráter irritável que desatava sobre o Olnwynn quando o
considerava necessário. À medida que passavam os anos, convertia-se mais e mais
em uma harpia rabugenta; até chegou a irritar a Inanna. Não terá que culpar à
mulher, mas, por Deus, suas diatribes de ciúmes e seus chiliques eram mais do
que qualquer um podia suportar no castelo. Todo mundo sabia que Olnwynn era
rebelde, mas sempre tinha sido assim. Depois de tudo, era tão encantador e tão
formoso. Todos viam sua esposa como uma bruxa e pensavam que não era estranho
que procurasse a outras mulheres.
Então
a bebida começou a ter seus efeitos daninhos inevitáveis na mente do Olnwynn.
Ele começou a deteriorar-se. Começou a golpear a sua esposa quando ela o
repreendia. Ele era grande e ela pequena e a cenas se voltaram grotescas. Ela
corria a procurar o irmão de Olnwynn e chorando lhe mostrava o sangue e os
machucados. Com o tempo obteve que seu filho, o irmão e a maior parte da corte
se voltassem contra o rei.
Ele
se voltava cada vez mais e mais violento. Cada noite bebia até ficar na
letargia e perdia o conhecimento. Seu fiel servente, que teria matado a
qualquer um que se atrevesse a tocar seu rei, levava-o cada noite a seu quarto.
Olnwynn tinha salvado a vida deste homem muitas vezes em batalha. Ninguém
se atrevia a atacar ao Olnwynn frente a frente, inclusive bêbado era temível.
Só havia um que tinha permissão para entrar no dormitório do rei, seu filho. A
esposa do Olnwynn sabia que a única oportunidade de matar a seu marido era
convencer a seu filho de que lhe cortasse a garganta enquanto dormia indefeso.
Olnwynn
observou vagamente o holograma de sua vida. Inanna esteve a ponto de voltar
para seu corpo azul mas rapidamente converteu na forma familiar do sacerdote
druida. "Então, meu filho, vê como foram as coisas para ti".
Ao
princípio Olnwynn não pôde orientar-se e se sentiu enjoado pelo filme
transparente que se apresentava ante seus olhos. Não quis voltar a ver a parte
em que o sangue saía em jatos de sua garganta. O sacerdote apagou essa
repetição e por uns momentos reinou um silêncio infinito.
Olnwynn
recuperou a serenidade e falou: "O que disse quanto a que terei que fazer
um trabalho?"
Pelo
menos sua curiosidade não estava extinta.
IV.- MONTANHA
PERDIDA
Graciela
queria um gole. Preferia o vinho francês vermelho, mas esta noite algo
serviria. Montanha Perdida ficava muito longe de Nova Iorque. Já se estava
acostumando ao silêncio mas se sentia um pouco vulnerável sem o ruído e a
atividade da cidade que lhe davam uma falsa sensação de segurança. Acomodada em
sua cabana de troncos e acompanhada de seus dois cães, Graciela admitiu que se
sentia mais segura estando sozinha nesta montanha que em qualquer lugar da
cidade.
Qualquer
um pode se sentir tão sozinho em Montanha Perdida como em Nova Iorque. Houve
dias na cidade que não falava com ninguém. Ela sempre tinha sido uma solitária.
Tinha nascido em uma família enriquecida do velho sul e sempre pensou que de
algum jeito tinha aterrissado na família equivocada. Para ela tinha sido fácil
acreditar que na verdade poderia ser uma extraterrestre, pois nunca se sentiu à
vontade na Terra. Dentro de seu ser havia um sentimento de um profundo vazio
que sempre esteve com ela.
Era
como se soubesse que não pertencia a este lugar e desejava ir para casa,
ficasse onde ficasse. Ela tinha viajado muito, casou-se, divorciou-se, uniu-se
a grupos, tinha-os abandonado e tinha lido muitos livros, mas ninguém tinha as
respostas que estava procurando. Tinha lido que os monges no Tibet se
encerravam em celas escuras durante um ano e não falavam com ninguém. Ela
estava pronta para fazer o mesmo, mas a sua maneira.
Pensou
em sua infância enquanto se servia um merlot californiano. Seu pai era um
empresário de centros comerciais, não aqueles enormes que absorvem tudo, mas
pequenos que aparecem em todas as partes para contribuir com sua estética ao
infortúnio suburbano. Ele era muito rico e estava muito ocupado, muito ocupado
para atender a sua filha. Todo mundo lhe dizia que deveria estar feliz e
agradecida; tinha todo o dinheiro do mundo, estudou na melhor escola privada e
podia comprar com seus cartões a roupa que quisesse nas melhores lojas. Seu
irmão sim era feliz, estava seguro de que se encarregaria dos negócios de seu
pai quando crescesse e ocuparia seu lugar no mundo como um exemplo destacado do
sonho americano. Mas, se tudo era cor de rosa, pensava Graciela, por que sua
mãe tomava tantas pílulas?
Diana,
a mãe, era uma beldade sulina da velha escola. Sua própria mãe morreu quando só
tinha quatro anos e a pequena Diana se culpou por isso. Quando era jovem Diana
procurou ser independente, mas passados dos 30 anos se casou com o Brent, o pai
da Graciela. Fez-o por amor e também por temor à solidão. Brent amava a Diana a
sua maneira, mas era um tirano inato. Se Diana não fazia sua vontade ele
desatava sua ira contra ela. O gabinete de banho de Diana estava repleto de
tranqüilizantes e pílulas para dormir, que chegaram a ser "os pequenos
ajudantes de mamãe".
Graciela
tampouco era imune ao mau gênio de seu pai. Se ela se interpunha em seu caminho
ou não estava de acordo com os planos que ele tinha para sua vida, explorava e
a degradava com palavras cruéis. Em silêncio a mãe saía para procurar seu
gabinete enquanto Graciela ficava reduzida aos soluços. Ninguém defendia a
Graciela, ninguém a apoiava. Logo, depois destes episódios, para suavizar as
coisas, o pai lhe comprava bonecas, um vestido e mais tarde, ações. Mas ela
nunca aprendeu a ver a vida da maneira como a via sua família. Temia
converter-se em um troféu para algum tirano rico em caso de que se casasse. Ela
não queria terminar como sua mãe, sem se importar com o pagamento.
No
bacharelado a vida da Graciela não foi tampouco muito feliz. Embora era formosa
e tinha seus pretendentes, havia uma parte dela que ninguém conhecia, que
aparentemente ninguém queria conhecer. Rebelou-se e começou a procurar gente
que era inaceitável para sua família. Fez amizade com artistas e músicos. Era a
época dos anos 60 e Graciela escapou para Nova Iorque, em busca de "ar
fresco".
Naquela
cabana da montanha reinava a quietude. Até o louco uivo dos coiotes tinha
cessado. Não havia lua, somente as estrelas. Graciela decidiu dormir fora na
terraço sob o céu. Com seus jeans e seu suéter se meteu em seu saco de dormir e
olhou para cima. Deus! podia-se ver cada estrela no céu e havia milhões delas.
Definitivamente isto não era como a cidade. Era tão antigo. Graciela se
esqueceu de seu passado, de sua solidão, de seu temor e se perdeu na beleza do
céu noturno.
Inanna
estava ainda no disfarce do sacerdote druida e falou com o Olnwynn: "meu
filho, pode descansar um momento. Falaremos mais tarde".
A
paz e a calma que emanava Graciela alcançaram a realidade da Inanna.
"Melinar, esta é nossa oportunidade. O que lhe dizemos? O que fazemos? Não
queremos assustá-la".
Os
brilhantes de Melinar começaram a acelerar-se.
Os
grandes olhos castanhos de Graciela se encheram de lágrimas.
A
beleza do céu noturno era muito para ela, desde fazia muitos anos não tinha
visto um céu assim. Sorriu quando uma estrela fugaz cruzou frente a ela. Um bom
presságio, pensou. Este é meu lar, aqui encontrarei o que estou procurando.
O
céu estrelado era tão brilhante que Graciela fechou os olhos. Detrás de suas
pálpebras percebeu a escuridão total de sua imaginação. Pensou sobre este
contraste até que um objeto pitoresco se formou nessa escuridão e começou a
girar. Frente a ela começaram a mover-se e a mudar, como jóias preciosas,
formas geométricas esquisitamente belas. Era um espetáculo digno de presenciar
e ela não queria que se afastasse. Não sabia o que podia ser este espetáculo de
luzes, mas instintivamente lhe agradava.
Graciela
sempre tinha tido visões; quando era menina tinha seus amigos imaginários. Um
deles era um extraterrestre diminuto. Este amistoso ser voava ao lado do carro
de seu pai no veículo mais fascinante. Contava a Graciela toda classe de
histórias interessantes, explicava-lhe coisas e a mantinha ocupada durante
horas. Em anos posteriores Graciela desejou recordar algo do que lhe havia dito
este ser. Por que o tinha esquecido? Ela se havia sentido tão perto dele e lhe
tinha ensinado tantas coisas que realmente precisava saber. Por que não podia
as recordar agora?
As
jóias mutantes continuavam dançando ante seus olhos enquanto ela estava
acordada. Sentia-se segura. Finalmente o vinho e o céu noturno a levaram ao
sono. Pensou que no dia seguinte daria um passeio no bosque de cedros. O rico
aroma dos cedros se empilhou em sua consciência enquanto ficava profundamente adormecida.
Melinar
sorriu. "Vê, Inanna, ajudaremo-lhe a sentir-se segura e a que seja uma com
o céu e o bosque. Seus temores se derreterão para a Terra e se abrirá a nós.
Ensinaremo-lhe a amar-se a si mesma e esse amor lhe proporcionará a coragem
para saber".
Inanna
olhou fixamente a Olnwynn, que já estava roncando. Constantemente a assombravam
as palhaçadas de seu Eu multidimensional. Estes seres continham seu DNA e em
algum lugar do tempo ela tinha sido a origem de todos eles. Mas encontrar-se a
si mesmo entre toda a barafunda resultante de todos estes seres que ela tinha
criado se converteu em um desafio progressivo. Não obstante, em algum lugar
dentro de todos estes seres se encontrava a habilidade latente de ser algo que
eles queriam ser. Cada um possuía o poder de pensar por si mesmo. Cada um deles
era um coletor de informação para o Primeiro Criador.
Como
seu DNA estava só parcialmente ativado, seu Eu multidimensional estavam
apanhados em uma espécie da prisão eletrônica de experiências que se repetiam
milhares de vezes, como se o planeta inteiro estivesse condenado a um
rebobinamento eterno. A espécie humana era famosa em toda a galáxia por sua
incapacidade de aprender com suas aventuras. Os tiranos e as guerras foram e
vinham. Não obstante, ninguém parecia aprender a lição. Inanna conhecia muito
bem ao guardião desta prisão. Durante a maior parte de sua vida pleyadense ela
tinha estado inimizada com seu primo Marduk.
Marduk
tinha tido êxito em derrotar a todos os outros membros da família de Anu e
agora controlava não somente a Terra, mas também seu planeta nativo, Nibiru, assim
como todo o sistema das Pleyades. Sua tirania era suprema e seus métodos
engenhosos. Era tão egoísta como desumano, e tinha fabricado um extenso
exército de clones de soldados que se pareciam com ele. sentia-se realizado com
a dor e a frustração daqueles a quem conquistava e dirigia. O pior de tudo era
que os habitantes da Terra nem sequer sabiam quem era seu carcereiro. Eles
acreditavam que tinham cometido um pecado imperdoável e se culpavam um ao outro
de sua triste condição.
Marduk
fomentava o antagonismo entre os grupos da gente por meio de propaganda sutil
de lavagem de cérebro. Controlava famílias, tribos, nações; nenhum grupo era
muito grande ou muito pequeno para ser controlado. Quando se produzia uma idéia
boa se animava a um grupo a que a apoiasse e a seguisse enquanto que um número
igual era estimulado a se opor a ela. A idéia podia ser política ou religiosa,
ou inclusive só a idéia de cruzar um oceano.
Como os humanos tinham um cérebro
desligado que funcionava a um décimo de sua capacidade, em vez de raciocinar
por si mesmos, eles só reagiam, freqüentemente com violência, às sutis
manipulações de Marduk. Em uma terra tão fértil era muito fácil iniciar uma
guerra. As guerras religiosas eram o prato favorito de Marduk. Chegou a
preponderar um tipo de mente que não produzia pensamentos originais, mas sim
reagia aos dos outros.
O comportamento repetitivo se imprimiu nos gens da raça
humana através da emoção do temor. A ninguém lhe permitia recordar durante um
comprido tempo que todos os humanos em um princípio tinham vindo da mesma
fonte. Aqueles que sugeriam estas idéias eram ridicularizados ou brutalmente
destruídos. Ninguém recordava que a fonte de toda a vida era o amor do Primeiro
Criador. Inanna pensou no papel que ela jogou neste engano progressivo. Ela e
sua família se comportaram como meninos malcriados que só tinham satisfeito
seus caprichos egoístas sem pensar nas conseqüências. Sem sabê-lo, a família
tinha criado Marduk, o resultado perfeito de sua agressão e rixa ególatra. Não
era o melhor dos legados.
Se
a família de Anu não se visse rodeada da Parede invisível, provavelmente teriam
seguido seu estilo de vida egoísta e controlador. Mas a Parede teve o efeito de
deter a evolução progressiva de todos e cada um dos membros da família,
inclusive de Inanna. Ela nunca tinha estado tão aborrecida; era como se toda a
emoção e a espontaneidade tivessem desaparecido de suas vidas. Como não tinham
outra alternativa, o único que ficava era reparar o dano que tinham feito na
Terra. Para que desaparecesse a Parede terei que liberar à espécie humana de
sua roda repetitiva para que começassem a evoluir e deixassem de adorar ao deus
cujo nome nem sequer conheciam: Marduk.
De
modo que Inanna e muitos outros membros da família tinham escolhido projetar
porções variáveis de si mesmos para corpos em múltiplos marcos de tempo. Eles
tinham a esperança de que algum destes Eu multidimensionais pudesse ativar os
gens perdidos da espécie e criasse o potencial para uma mudança total sobre a
Terra. Que pena! Suas esperanças começaram a murchar-se e esta tarefa estava
resultando muito árdua no melhor dos casos. Não era benéfico dizer aos humanos que
faz mais de 500.000 anos que uma raça extraterrestre tinha invadido a Terra.
Era igualmente inútil lhes dizer que seu DNA tinha sido desligado parcialmente.
Marduk tinha tido muito êxito em desprestigiar estas idéias desde o começo e
qualquer que as expressasse era ridicularizado.
Os humanos eram tão inseguros
que facilmente esqueciam a idéia de contar a outro que não estavam de acordo
com o consenso geral. Qualquer um que via ou escutava algo que não estava de
acordo com o que a maioria pensava, era desacreditado e em algumas épocas até
os queimavam em um madeiro.
A
televisão e mais tarde os computadores se converteram na ferramenta principal
para o controle dos pensamentos das massas. A "auto-estrada da
informação" facilitou a Marduk o controle sobre a mente do planeta
inteiro. Na verdade os monitores de computador e televisão se converteram em
espécie de altares em cada lar. A gente se sentava frente a eles durante horas,
enchendo suas mentes com a propaganda de Marduk. As posses aumentaram e
afogaram às pessoas à medida que se endividavam mais e mais e lutavam por ser
tão formosos e ricos como os que viam na TV. A maioria dos lares tinham pelo
menos três desses aparelhos. A raça humana inteira queria ser rica; os ricos e
poderosos eram respeitados sem importar como era seu caráter ou comportamento.
As
freqüências eletrônicas que envolviam a Terra faziam quase impossível a
comunicação entre a Inanna e sua família e seu Eu multidimensional, porque
ninguém estava escutando.
Inanna
observou como dormia Graciela. Seus cães a faziam recordar os dois leões
domésticos que tanto amou na Terra. Os cães despertaram quando a consciência de
Inanna se enfocou sobre eles. Possivelmente, pensou ela, possa me comunicar com
a Graciela. Inanna se permitiu o sentimento de esperança à medida que
esquadrinhava os dados da vida de seu outros Eu.
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