AMAS – A enorme Anomalia Eletromagnética sobre o Brasil
Agora está claro que a região onde o campo eletromagnético é mais fraco em toda a superfície terrestre, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul-AMAS ou SAA do inglês, South Atlantic Anomaly, está se deslocando e se expandindo. Antes restrita ao sul da África, essa área atualmente cobre parte do sul da América do Sul e quase todo o Atlântico Sul e o BRASIL …
Agora está claro que a região onde o campo eletromagnético é mais fraco em toda a superfície terrestre, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul-AMAS ou SAA do inglês, South Atlantic Anomaly, está se deslocando e se expandindo. Antes restrita ao sul da África, essa área atualmente cobre parte do sul da América do Sul e quase todo o Atlântico Sul e o BRASIL …
A
análise de fragmentos de tijolos de construções antigas registra
enfraquecimento do campo eletromagnético sobre a América do Sul e do Brasil
Carlos Fioravanti – Edição Impressa 185 – Fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br
Durante
quatro anos, o físico Gelvam Hartmann coletou e examinou quase 600
fragmentos de tijolos de igrejas e casas antigas da Bahia, de São Paulo,
do Rio de Janeiro e do Espírito Santo para conhecer a variação do
campo magnético terrestre sobre o Brasil nos últimos 500 anos, um
período sobre o qual praticamente não havia informação do ponto de vista
geofísico.
Seu
trabalho registrou uma inesperada queda na intensidade do campo
magnético nas regiões Nordeste e Sudeste e, a partir daí, estabeleceu um
método de análise de materiais arqueológicos brasileiros que confirmou
ou definiu as prováveis datas de construções antigas, algumas delas sem
nenhuma documentação histórica.
As amostras preparadas vão para o forno: resgate magnético
Ao lado
de arqueólogos, arquitetos e geólogos, Hartmann tirou pequenas lascas de
tijolos de igrejas e casas coloniais do Pelourinho, no
centro histórico de Salvador, com martelo e talhadeira quando era
possível ou, quando não, com uma furadeira resfriada a água. Aos poucos,
enquanto examinava esse material no Instituto de Física do Globo de
Paris (IPGP) e no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), ele construiu
a história magnética do Brasil, ao confirmar as datas das construções e
associá-las com as respectivas intensidades magnéticas.
Assim é que emergiu uma informação nova – a intensidade do campo magnético, de 36,2 microteslas – de uma das mais antigas construções do Brasil, (tesla
é a unidade de medida da densidade de fluxo magnético) a Catedral de
São Salvador, erguida pelos jesuítas entre 1561 e 1591 com dinheiro do
terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá, e um sino trazido de
Portugal.
Quase não
houve problemas com a maioria das amostras das fundações e das paredes
das igrejas de Salvador, mas, estranhamente, a análise de uma amostra da
casa do poeta Gregório de Matos, conhecido como Boca do Inferno por
causa do sarcasmo com que tratava as autoridades de Salvador, indicou
que a construção teria sido erguida em 1830, não entre 1695 e 1700, como
os documentos indicavam. Hartmann verificou depois que essa era a data
apenas do terceiro piso – construído mais tarde –, de onde ele havia
coletado amostras de tijolos quando aquela parte da casa passava por uma
restauração.
“Os
geofísicos estão nos ajudando a contar a história da ocupação
do Brasil”, reconhece Marisa Afonso, professora de arqueologia e
vice-diretora do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP. Em abril
de 2004, ela atravessava um longo dia chuvoso no centro regional do MAE
em Piraju, interior paulista, quando recebeu um e-mail de Ricardo Trindade, professor do IAG e orientador de Hartmann no doutorado.
De Paris,
Trindade a convidava para ajudar a construir a curva de datação de
materiais arqueológicos, como ainda não havia sido feita no Brasil,
usando registros do campo magnético, nos moldes do que ele já tinha
visto por lá. “Quanto mais métodos de datação, melhor, porque as
técnicas mais usadas, como carbono 14 e termoluminescência, nem sempre
funcionam em todos os casos”, diz ela. “Por sorte tanto Gelvam quanto
Ricardo gostam de arqueologia e sabem falar do que fazem de maneira
simples.”
Ao mesmo
tempo, Hartmann e outros pesquisadores do IAG estão detalhando as
variações do campo magnético terrestre, principalmente nas regiões onde é
menos intenso. O
campo é gerado pelo movimento do ferro líquido no núcleo da Terra,
expressa-se na superfície do planeta, orientando as bússolas, e forma
uma barreira invisível a 30 mil quilômetros acima da superfície do
planeta que dificulta a entrada de partículas vindas do Sol.
Saiba mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anomalia_do_Atl%C3%A2ntico_SulAgora está claro que a região onde o campo é mais fraco em toda a superfície terrestre, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, está se deslocando e se expandindo. Antes restrita ao sul da África, essa área atualmente cobre parte do sul da América do Sul e quase todo o Atlântico Sul.
O ponto de
menor intensidade dessa mancha está se deslocando para oeste: já esteve
no sul da África, e depois no meio do Atlântico Sul, a meio caminho
entre o Brasil e a África do Sul. Por volta de 1930 estava perto da
cidade do Rio de Janeiro, migrou para o sul e estacionou sobre o estado
de Santa Catarina e atualmente se encontra no Paraguai, com uma
intensidade de cerca de 22 microteslas (ver mapa).
Algumas
consequências são conhecidas: justamente nas áreas onde o campo é mais
fraco os satélites de telecomunicações e os ônibus espaciais podem
sofrer mais interferências magnéticas, que podem danificar seus
equipamentos, tanto quanto, em uma escala menor, um ímã pode desmagnetizar um computador e o fazer perder as informações.
Os resultados surgiram após uma série de surpresas, nem todas agradáveis. Hartmann conta que se sentiu desarvorado em maio de 2008, logo no início de um estágio de seis meses no laboratório de paleomagnetismo do Instituto de Física do Globo de Paris. Seu propósito era caracterizar o campo magnético do material que tinha levado – fragmentos cerâmicos brasileiros dos últimos 2 mil anos –, mas as coisas começaram a dar errado.
“Yves
Gallet, o chefe do laboratório, disse que eu não conseguiria analisar
aquelas peças, por não estarem bem cozidas por dentro. Cerâmicas,
tijolos, telhas ou qualquer outro material que passou por um aquecimento
intenso podem guardar o registro do campo magnético da Terra no momento
do cozimento, mas, para isso, têm de ter sido assados de modo
uniforme. Yves me fez uma proposta: ‘Vá para o Brasil, fique lá 20 dias,
colete material histórico, de no máximo 500 anos, e volte; te pago a
passagem’”, conta Hartmann.
Ele
desembarcou em Salvador, a primeira capital do Brasil. De imediato
procurou Carlos Etchevarne, professor de arqueologia da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) que conhecera em um congresso três anos antes, e
Rosana Najjar, arqueóloga do Instituto do PatrimônioHistórico e
Artístico Nacional (Iphan) e coordenadora do Projeto Pelourinho de
Arqueologia (Monumenta/Iphan). Etchevarne e Rosana o apresentaram a
outros arqueólogos, que o ajudaram a coletar fragmentos de tijolos de
fundações, paredes ou tetos de 20 construções antigas do Pelourinho.
“Nunca tínhamos trabalhado antes com físicos”, conta Etchevarne, “mas
conseguimos um diálogo muito bom, rapidamente, com objetivos comuns”.
Eles
selecionaram prédios cuja data de construção já era conhecida por meio
de registros históricos ou de pesquisas arqueológicas. A razão é
simples: Hartmann precisava de uma referência inicial para estabelecer a
data de construção por seus próprios métodos, medindo a intensidade dos
resquícios do campo magnético registrado em minerais ferrosos como a
magnetita e a hematita, que compõem a argila usada para fazer os tijolos
dessas construções.
Tanto
quanto a data, lhe interessava a intensidade do campo magnético no
momento do cozimento. “O campo magnético da Terra oscila
incessantemente, em diferentes escalas de tempo, de milissegundos a
bilhões de anos, de modo que fragmentos de construções com idades
distintas registram valores do campo também distintos”, diz ele. Clique aqui para ver infográfico
De volta a
Paris, Hartmann conta que trabalhou “16 horas por dia, incluindo
sábados e domingos”, durante dois meses para determinar a idade e a
intensidade do campo magnético do material que havia levado. Com essas e
outras amostras colhidas em outra viagem a Salvador, ele confirmou por
seus próprios métodos as datas de construções históricas, afinando as
técnicas de trabalho. “Esses dados servem de ferramenta de datação de
construções históricas”, atesta Trindade, que acompanhou a segunda
expedição a Salvador, em dezembro de 2008. Servem mesmo.
À medida
que dominava a técnica e criava uma associação entre as datas e as
intensidades do campo magnético, Hartmann pôde definir a data de
construção – entre 1675 e 1725 – de uma casa do Pelourinho, a de número
27, da qual os arqueólogos não tinham nenhuma documentação.
No
instituto em Paris e no IAG, Hartmann preparou 295 amostras de 14
igrejas e casas de Salvador. Depois, na Região Sudeste, percorreu casas
de fazenda, igrejas e outras construções de São Paulo, ao lado do
arqueólogo Paulo Zanettini, e do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, com
a arqueóloga Rosana Najjar, e obteve mais 289 amostras de 11 lugares.
Hartmann deixou as amostras no formato de cubos com um centímetro de
lado.
Depois
submeteu as amostras ao forno paleomagnético, que, após sucessivos
aquecimentos e resfriamentos, resgata a intensidade e a orientação do
campo magnético no momento em que a argila foi queimada pela primeira
vez. É um método demorado e, por enquanto, de baixa eficiência: Hartmann
obteve boas informações de apenas 56% das amostras do Nordeste e de 38%
das do Sudeste.
Depois de
assar, resfriar e medir no magnetômetro as amostras de cada lugar que
visitou, Hartmann construiu as curvas de variação da intensidade do
campo magnético para cada região. A do Nordeste exibiu valores
decrescentes – em torno de 40 microteslas em 1560 para 25 em 1920 – com
uma queda de aproximadamente cinco microteslas a cada século. “É
bastante”, diz ele. Os valores das amostras da Região Sudeste
apresentaram uma queda mais acentuada, como detalhado em um artigo
publicado este ano na revista Earth and Planetary Science Letters, onde em 2010 saíram os dados sobre o Nordeste.
“Os
dois artigos representam uma contribuição fundamental para a
compreensão da evolução do campo magnético terrestre nos últimos 500
anos”, assegura Trindade. O geofísico Igor Pacca, professor do
IAG e um dos pioneiros no Brasil no estudo do campo magnético terrestre,
levantou as informações de milhões de anos atrás, registradas em
rochas. As mais recentes, do início do século passado para cá, estão
sendo coletadas por observatórios terrestres e satélites.
Ao menos
nas primeiras tentativas, essa técnica não serviu para datar pinturas
rupestres, nem panelas de barro, que perderam o campo magnético original
por terem ido muitas vezes ao fogo, nem as casas dos bandeirantes
paulistas, feitas de barro amassado e prensado. Etchevarne acredita que
talvez sirva para esclarecer as origens de potes de água, que só passam
uma vez por temperaturas altas.
“Um dos
próximos desafios é encontrar como datar materiais com mais de 500 anos
que não foram tão bem queimados”, diz Marisa. “Já pedi a Gelvam para não
desistir. Temos peças de cerâmica de até 7 mil anos para datar.”
Hartmann já começou a trabalhar com amostras colhidas em Missões e
pretende examinar as igrejas de Minas Gerais o mais breve possível para
ampliar as análises da variação do campo magnético entre as regiões
do Brasil.
Segundo
Trindade, essas análises regionais mostraram que o
campo magnético no Brasil está longe de apresentar um comportamento
ideal, que pode ser comparado ao campo magnético de um ímã de barra. Nas
duas regiões, o campo magnético é complexo e apresenta fortes
influências de componentes multipolares – ou não dipolares, como os
geofísicos dizem. “Nesses casos”, diz Hartmann, “a agulha da bússola
apresenta uma forte deflexão com relação ao norte, que pode chegar a
mais de 20°”. Já na França, segundo ele, predomina o campo dipolar, como
se a Terra fosse um ímã quase perfeito, e as deflexões com relação ao
norte não excedem os 5°.
Campo menos intenso –
Para os geofísicos, a queda contínua nos valores do campo magnéticoe o
fato de as amostras das regiões Nordeste e Sudeste apresentarem grandes
diferenças em intensidade devem estar ligados à Anomalia Magnética do Atlântico Sul (S.A.A. – South Atlantic Anomaly,
na sigla em inglês). Regida por campos não dipolares, a SAA é uma ampla
região com as intensidades mais baixas do campo magnético – em torno de
28 microteslas (o valor médio do campo magnético da Terra é de 40
microteslas e o máximo, de 60 microteslas). “Por causa da proximidade
geográfica, a influência da anomalia é maior no Sudeste que no Nordeste
brasileiro”, diz Hartmann. “A anomalia representa uma área em que a blindagem do campo magnético contra raios cósmicos e partículas solares é mais frágil.”
Pacca vê a Sama como “uma janela” para partículas de alta energia conhecidas como raios cósmicos, que podem entrar mais facilmente na Terra através de regiões menos intensas do campo magnético(os Polos).
Ele e Everton Frigo, também do IAG, acreditam que os raios, por sua
vez, poderiam facilitar a formação de nuvens, fazer chover mais e baixar
a temperatura, principalmente sobre as terras cobertas por trechos
menos intensos do campo magnético.
Há
muito tempo se sabe que as manchas solares interferem no clima, mas
nunca soubemos direito como”, diz Pacca. Quanto mais manchas solares,
maior a atividade do Sol – e maior seu campo magnético.
Nesses momentos, o campo magnético do Sol age em conjunto com o
campo magnético da Terra dificultando a entrada de raios cósmicos. Em
períodos de menor intensidade da atividade solar, há menos manchas e o
campo magnético do Sol é menos forte.
“Quando
os campos do Sol e da Terra estão com a intensidade mínima, os raios
cósmicos entram mais facilmente na Terra, colidem com partículas da
atmosfera e geram uma quantidade enorme de elétrons e de outras
partículas”, diz Pacca. “Toda a energia criada com as colisões produz
uma ionização, que pode favorecer a condensação de vapor de água. Os
raios cósmicos podem ser os gatilhos que disparam as reações que levam à
formação de nuvens de chuva”, teoriza.
Pesquisadores
do Reino Unido e da Dinamarca também defendem essa possibilidade, mas
ainda há espaço para outras visões. “Até o momento”, diz o físico Paulo
Artaxo, da USP, com base em estudos do Painel Intergovernamental das
Mudanças Climáticas (IPCC), de que ele faz parte, “não há evidências
sólidas, nem a favor, nem contra, de que possa haver algum efeito de
raios cósmicos sobre os processos de formação de nuvens”.
Como essa
região menos intensa do campo magnético se forma e como pode reduzir a
intensidade do campo registrado em rochas ou tijolos? Ninguém sabe. O que mais pode acontecer em razão dessa queda na intensidade do campo, além das interferências em telecomunicações? Outro mistério. “Einstein
já dizia em 1905 que a origem e a evolução do campo magnético terrestre
são um dos problemas mais difíceis da física, já que não seguem nenhum padrão”, argumenta Hartmann.
O comportamento do campo magnético terrestre é complexo a ponto de já ter apresentado até mesmo reversões dos polos – o polo norte tornando-se sul – a mais recente há 780 mil anos. E existe a possibilidade dos polos mudarem outra vez:
“SURGIU UMA ANOMALIA na SIBÉRIA, que está se ampliando e já é mais intensa que o polo norte magnético”, diz Pacca. “Por
enquanto, é como se a Terra tivesse dois polos norte, mas o atual polo
norte está perdendo a vez e pode surgir outro, mais forte, em milhares
de anos.”
Pacca
montou um dos primeiros laboratórios de paleomagnetismo no Brasil em
1971, no Instituto de Física da USP. Dois anos depois ele reinstalou os
equipamentos no IAG, para onde se mudou, como professor convidado, para
formar um grupo de pesquisas em geofísica. Como não havia outros
materiais para estudar, por muitos anos só rochas entravam lá. Um dos
trabalhos mais ambiciosos consistiu na análise da intensidade e da
orientação do campo magnético de 10 mil amostras de rochas do Brasil e
da África.
Daí saíram detalhes sobre a posição dos continentes na Terra de 1 bilhão de anos atrás, bem
diferente de agora: o que corresponde ao atual território brasileiro
era uma série de grandes ilhas distantes umas das outras e o bloco de
rochas que forma a atual Amazônia estava separado de Goiás e do Nordeste
por mares e mais próximo do sul do país do que hoje (ver Pesquisa FAPESP nº 75, de maio de 2002). Hoje, grupos de pesquisadores em 24 países – na América do Sul, apenas Argentina e Brasil – trabalham com geomagnetismo e paleomagnetismo.
Pacca encontrou recentemente o que acredita ser o mais antigo estudo em português sobre magnetismo nas rochas, o Roteiro do Goa a Diu,
publicado em 1.538 (Goa e Diu eram domínios portugueses no sudoeste da
atual Índia). O autor é dom João de Castro, nobre português que terminou
a vida, aos 48 anos, como vice-rei da Índia.
Em seus roteiros, ele mostrava como os navegadores deveriam se orientar em alto-mar, valendo-se das (posições das) estrelas e
de instrumentos simples como a bússola, para chegar aos destinos
desejados. “Se não houvesse campo magnético, não haveria bússola”, diz
ele. “E sem a bússola não teria havido grandes navegações, que
enriqueceram muitos comerciantes e permitiram a conquista de novos
espaços como o Brasil.”
Artigo científico
Hartmann, G.A. et al. New historical archeointensity data from Brazil: Evidence for a large regional non-dipole field contribution over the past few centuries. Earth and Planetary Science Letters. v. 306, p. 66-76. 2011. Publicado em setembro de 2012.
fonte: thoth3126,com.br
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